Carta aberta a todos os portugueses e a mim própria.

Foto:Sena Goulão [Lusa]
Ainda sobre o que se passou ontem no Parlamento, só mais uma achega. As redes sociais deste país estão intoxicadas de ódio. Eu própria estou a criar dentro de mim uma bola de sensações que acumulo há muito tempo. Mas há verdades que têm de ser ditas. Violência gera violência. E uma sociedade que usa a força para tentar fazer valer a Justiça social é uma sociedade que se presta ao que o poder - sobretudo o vigente - deseja: um argumento consubstanciado em acção para poder exercer acções que limitem a luta [ideológica, política, social, cultural e de carácter]. Hoje ganhou o direito constitucional designado por greve. Mas essa vitória durou apenas até às 18h00. O que se passou a seguir coloca a vantagem do lado dos que defendem uma guerra europeia manchada nas ruas com sangue inglório. Pensem. Pensem bem antes de defenderem uma espécie de Parte II Grega. Pensem se o que se passa na Grécia está a valer a pena. Pensem se querem uma ditadura psicológica exercida por quem lidera e não se desvia um milímetro da política cega de austeridade em marcha. Por mim, continuarei como sempre, dizendo o que penso, fazendo o que posso lá fora e assumindo que a austeridade é necessária mas que podemos tê-la mantendo a nossa condição natural de exigir a dignidade e os mínimos que merecemos enquanto cidadãos. 

Comentários

Nuno Figo disse…
Calma, AC. Calma.

As ações de 6, 10 ou 60 mentecaptos não são, nem podem ser o espelho de um país.

Isso é o que os radicais, dos dois lados do espectro, querem que pensemos.

Ontem o que houve foi uma série de totós a mandar calhaus à polícia. Gente parva, que levou na boca como merecia. Lamento, no entanto, que outros, muitos outros, que nada fizeram de mal - tirando expressar a sua indignação, sem violência - tenham levado também por tabela. Mas acredito que a polícia aguentou tanto quanto podia (se bem que não entenda porque não fizeram uma ação "localizada", mais cedo, junto da rapaziada que decidiu acabar com a calçada portuguesa no local).

Porrada, não. Todos de acordo.

Mas ESTA austeridade tem que acabar e o governo não muda de ideias. O país continua a ser arrastado pela tecnocracia do senhor da folha de excel. Continuamos bem comportadinhos, a não exigir renegociação da dívida, a não pedir tratamento de exceção, a comer e calar.

Coelho diz que seria uma vergonha se Portugal não honrasse os seus compromissos...
E não é vergonha baixar as pensões? E não é vergonha baixar o subsídio de desemprego? Reduzir a despesa com saúde e educação por metade? Acabar com o apoio estatal à Cultura? Aumentar os impostos a todos, em troca de mero serviço da dívida?
Vergonha é pagar as taxas de juro agiotas que tivemos que arcar antes da entrada da troika. Vergonha é ter um membro da troika a dizer publicamente que isto assim não vai lá, e nós continuarmos a dizer que vai sim, assim vamos lá. Vergonha é ter líderes sem coragem para enfrentar a hostilidade dos poderes instalados na União Europeia, da Alemanha, do Banco Central Europeu.

Vergonha é não renegociar a nossa dívida.

O Governo tinha (e começa a não ter) o país do seu lado - algo que nunca aconteceu na Grécia. Mas assim não dá. Todos têm que ajudar. Credores incluídos.

Repito, não aplaudo os atiradores de pedras.
Mas, para todos os efeitos, o que o governo está a fazer é a dar-nos porrada.
Só que, infelizmente, ninguém faz uma carga policial em cima do Coelho e do Gaspar.
Ana Clara disse…
Nuno,

Calma eu tenho. Sempre tive e continuo a ter. Mas não posso aceitar os disparares [ignorantes] que li e ouvi nas últimas horas sobre a actuação da polícia. O Corpo de Intervenção da PSP e o Grupo de Operações Especiais (GOE) são forças preparadas para combater e actuar sobre situações de violência declarada, provocada através de várias formas. Ao contrário de muitos casos em que há excessiva actuação, diz a lei, de acordo com os regulamentos das unidades da PSP, que toda a actuação sobre grupos, multidões em situações de tensão social e/ou perigo de violência que coloquem em causa a ordem pública, há que avaliar, em tempo «estritamente necessário» ou aquele «que for conveniente», a forma de «avançar» em modo de carga [contra-resposta e controlo da situação]. Esse tempo é definido no terreno. E aqui não há lei: é o tempo que operacionalmente e in loco for estipulado. Aires, cada caso é um caso e a polícia actua consoante a avaliação que faz no momento em que a desordem surge. Falo com conhecimento legal, profissional e pessoal. Admito que a espera foi demasiado longa. A carga demorou tempo demais. Mas acredito que se tenha tentado evitar ao máximo o que acabou, inevitavelmente, por acontecer. E, pelo que sei, os civis foram avisados, atempadamente, e no terreno, para saírem do local, antes de a polícia rebater.

Tudo isto é diferente das acusações que tenho visto. Não acredito que os «provocadores» sejam polícias infiltrados. E não posso aceitar que me digam que quem defende a polícia defende e está ao lado do Governo.

Enfim, este país perdeu a capacidade de ser inteligente em muitos casos. Entendo o desespero, entendo as dificuldades, entendo o pânico. Mas não podemos perder a noção de Justiça na luta que todos nós envergamos, seja ela qual for. E sim, devemos lutar, devemos exigir uma renegociação da dívida.

Basta olhar para o que aconteceu com a TSU. O país saiu à rua e o recuo foi inevitável. E eu até fui das que compreendeu a medida.

A ausência de coesão social é dos maiores temores do poder instalado, seja ele qual for. E sem coesão não há Governo que aguente. É isto apenas.

Beijo*

AC

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