Portugal e a cegueira que a todos afecta.



Temos um país em cacos. Olhamos para o futuro e para os últimos dois anos e percebemos que estamos todos numa encruzilhada sem saída. Os sintomas são muitos. Os sucessivos programas de austeridade em Portugal, e pela Europa, revelam-se, a cada dia, um fracasso assumido. E os números aí estão. Na sexta-feira, mais um murro no estômago de mais de 900 mil pessoas que, em Portugal, estão desempregadas, e que engrossam os 18 por cento da taxa de desemprego divulgada pelo Eurostat. A capital portuguesa mostra-nos isso mesmo. Mesmo que Helena Roseta não o tivesse dito, basta percorrer as ruas da baixa lisboeta para se perceber, para quem vive na capital, que as mudanças estão ali, desnudadas e à vista de todos. É clarinho como a água que se está a verificar um aumento significativo da população sem-abrigo. São cada vez mais, diz-se que cerca de duas mil pessoas, que mesmo por penúria económica, incapacidade de pagar despesas ou desemprego fazem parte de uma pobreza envergonhada que aumenta de dia para dia nas ruas da capital. Entretanto a esquerda uniu-se. Lamento dizê-lo, mas temo que meramente para as televisões. A conferência "Libertar Portugal da austeridade", dinamizada por Mário Soares, e que encheu a Aula Magna de Lisboa, na semana passada, foi bonita de se ver. Todos gostámos de ver socialistas, bloquistas e comunistas em uníssono a pedir o derrube do Governo. Todos gostámos de vê-los preocupados com os dramas sociais, com os cidadãos que vivem reais dificuldades há muito muito tempo. É pena que concordem no conteúdo mas não na forma de mudar. É que a História é demasiado cara à esquerda para nos atirarem areia para os olhos. Todos querem derrubar o Executivo mas já não há consenso no que respeita ao rasgar de Memorando. O PS sabe que não pode concordar com esse rompimento porque assumiu a responsabilidade de também o cumprir caso seja Governo na actual conjuntura. Estou solidária com a insensibilidade que se abate sobre as pessoas. Mas não posso esquecer que enquanto o Estado andou a viver à custa dos alemães, que emitiam os cheques para a banca, que emitiam os cheques para pagar os desvarios do Estado português, nós, cidadãos, preferimos fechar os olhos. A torneira dos fundos comunitários que nos trouxe, em 20 anos, 80 mil milhões de euros, fechou. Um valor iguala precisamente o valor do empréstimo a que recorremos há dois anos. É bom que olhemos hoje friamente para o passado. É bom que antes de defendermos os nossos direitos, pensemos bem na responsabilidade que temos em tudo isto. Só porque hoje estamos todos a ser afectados e atacados, e por vezes de forma injusta, não podemos achar que temos razão. Temos em muitos casos, mas noutros, não a temos. A cegueira, meus amigos, não é só dos governantes, também passa por nós, cidadãos eleitores e responsáveis.

Crónica de 3 de Junho na Rádio Antena Livre, 89.7, Abrantes.




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