A sede de poder (também) mora na nobreza socialista.

Portugal continua debaixo de intensa austeridade. E vai continuar. Se dúvidas houvesse, bastava olhar para os chumbos do Tribunal Constitucional a algumas medidas do Orçamento do Estado para 2014 conhecidas na passada sexta-feira. Em causa estão 1500 milhões de euros de cortes nos vencimentos da função pública, suplementos de pensões, subsídios de doença, desemprego e pensões de sobrevivência. Depois de umas semanas de verdadeiro combate partidário nas ruas do país, pouco ou nada os média quiseram saber do impacto destes chumbos ou das ameaças do Governo em voltar a subir os impostos caso aquelas medidas não passassem no crivo dos juízes do palácio Ratton. Em vez disso, e depois das eleições europeias de há uma semana, o mais importante neste país tão pequenino tem sido o folclore criado à volta do PS. O que todos temos assistido, e que se pode prolongar por meses a fio, é um verdadeiro golpe de terceira categoria como há muito não víamos no Largo do Rato. António Costa tem sido o D. Sebastião alegadamente aguardado desde a retirada do Rei Sócrates de cena. Mas, tal como outras personagens da política portuguesa, o actual presidente da Câmara de Lisboa, andou nestes últimos três anos a brincar à política. Nunca mostrou firmemente que queria ser líder do PS. Preferiu antes que viessem as autárquicas para ganhar Lisboa. Deixou para Seguro a dura travessia do deserto de ser secretário-geral em tempos de Troika e austeridade. E agora, aproveitando o frágil resultado do PS nas europeias, e a um ano de legislativas, é que decide finalmente ser o candidato do PS à cadeira de São Bento. É certo que António José Seguro nunca foi o líder desejado. É verdade que Seguro é fraco politicamente e nunca encontrou um fio condutor coerente na herança socrática. Contudo, verdade seja dita que o finca-pé que agora faz a Costa, querendo primárias no partido e rejeitando um congresso extraordinário, não pode deixar de ser legítimo. Goste-se ou não, há um facto com que os socialistas anti-Seguro têm de conviver: foi ele que ganhou dois actos eleitorais seguidos, no meio do circo governativo de Coelho e Portas, e foi ele que carregou o fardo até agora. Os que dizem que Seguro tem medo de um confronto em congresso com Costa podem até ter alguma razão. Mas se Seguro está agarrado ao poder, António Costa anda, há três anos, à procura do momento confortável para também lá chegar. Os portugueses estão cada vez mais afastados da política. E, ante o vazio de alternativa actual, o eleitorado do PS merecia mais respeito. Uma coisa é certa: quanto mais tempo durar este circo, maior será o fosso entre o PS e os cidadãos. Porque se dúvidas houvesse de que a sede de poder também mora na nobreza socialista, aí estão os episódios diários para comprovar a ambição política. Até lá, a direita prossegue o seu caminho, de mais delapidação social. A imprensa andará distraída. E nós, cidadãos, percebemos que as alternativas no boletim de voto estão cada vez mais em vias de extinção.

*Crónica de 2 de Junho, Antena Livre, 89.7, Abrantes.

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