Portugueses de primeira e de segunda.


Neste post faço, antecipadamente, uma adenda: cada vez mais acho que a sociedade portuguesa ficou dormente há muito tempo quanto ao protesto, à reacção e à luta pelos seus direitos. Vem isto a propósito da manifestação de 10 de Julho em Lisboa em defesa dos direitos laborais e da contratação colectiva. Vi inúmeras entrevistas. A maioria dos entrevistados, participantes na manifestação, eram funcionários de câmaras municipais. E chocou-me ver que uma das principais queixas era somente isto: as 40 horas de trabalho! «É chocante quererem que trabalhemos 40 horas por semana com a perda de rendimento que temos». «Queremos as 35 horas». «Queremos pagamento de horas extraordinárias». Estão no seu direito? Estão. Estão a fazer o correcto? Estão. Concretamente a protestar. Contudo, gostava de perguntar a cada uma daquelas pessoas, funcionários públicos de quadro, se alguma vez trabalharam no sector privado. Se sabem o que são mais de 40 horas de trabalho por semana, muitas vezes suando ao fim-de-semana (quando é necessário) e aos feriados, sem receber um cêntimo por cada minuto extraordinário. Muitas vezes a recibos verdes (sem direito a férias, subsídios e afins). Estes são também trabalhadores que perderam rendimento. Estes são portugueses de segunda. E estes, tristemente, muitas vezes estão limitados na sua capacidade de protesto e luta de direitos. Sou sensível à perda de direitos no sector público. Só há um pequeno problemazito: é que sou filha do privado, e sei na pele aquilo que milhares destes homens e mulheres nunca passaram na vida. É por isso que discordo deles. É por isso que muitas vezes me revolto com o nosso sistema público. A culpa não é dos trabalhadores, a quem sempre lhes foi dado, quase de mão beijada, tudo, sem pedir nada em troca, sem exigências de produtividade, sem níveis igualitários em matéria de empregabilidade. A culpa é precisamente de um sistema político e de sucessivos parlamentos que facilitaram, durante décadas, a contratação colectiva, os direitos de trabalhadores em prol de outros, colocando na Constituição da República, portugueses de primeira e de segunda. É esta a minha revolta. E não posso calar-se nem viver com ela. Por isso a partilho. 

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