Momento «Em nome de ti, ALA», dia 330.

Momento «Em nome de ti, ALA», dia 330: «Quando era miúdo, no liceu, se alguém falava de um escritor de que eu gostava ficava furioso porque o homem só escrevia para mim e aqueles livros eram feitos de propósito para mim. Tenho uma relação pessoal com os escritores de que gosto e tenho ciúmes dos outros leitores. Isto às vezes é carnal, tem uma dimensão física evidente. Não sei se gostava de viver com uma escritora [pausa]. O facto é que sabemos mais do que sabemos. Ontem estava a ler as entrevistas da Paris Review e há uma com o Nabokov. A certa altura há um adulto que pergunta à criança o que está a desenhar. Ela responde que está a desenhar Deus, “mas ninguém sabe como é Deus”, diz-lhe o mais velho. “Quando acabar o desenho já sabem”, responde a criança. Isto tocou-me imenso, e o Nabokov que me irrita, aquela vaidade, em pose constante, a agressividade inútil. Não lhe serviu para nada, para quê? Dizer mal de toda a gente, o azedume… Mas lá veio o Steiner outra vez pôr-me no lugar: “ele é que inventou as Lolitas e agora há-as por todos os lados”. E tem razão. Antes não havia Lolitas. Tecnicamente tem coisas boas, sem dúvida. Mas as nossas ideias misturam-se tanto com as nossas paixões. Eu gosto, logo é bom; eu não gosto, logo é mau. A crítica é sempre muito emocional. E depois as pessoas começam a dar estrelinhas que é a coisa mais cretina que há no mundo. Eu não daria estrelinhas a ninguém. Se fosse crítico fazia como o Truffaut nos Cahiers du Cinèma, só dizia bem porque só escrevia sobre os filmes de que gostava. Eu só falava dos livros de que gosto. O problema é como é que vou partilhar o meu gosto com as outras pessoas, com os leitores, que muitas vezes lêem apressados, que saltam parágrafos».

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