Portugal 2015. O país das ilusões.
2015.
Estamos em Portugal. O ano é de eleições legislativas. Há quatro anos a Troika
entrava por cá e a caixa de Pandora era aberta, com todas as letras. Temos de
cortar salários, há que reduzir pensões, a saúde e a educação públicas são
caras, os impostos vão ter de subir brutalmente. Ao longo
de todo este tempo, o desemprego acompanhou todas estas tristes realidades.
Hoje, passado todo este tempo, com austeridade e sacrifícios, e milhares de desempregados
e tantos outros que tiveram de partir, o discurso pré-eleitoral faz-se com as
armas do costume. Com promessas mil em que só os tontos podem acreditar. Recordo
tudo isto para lembrar que estamos em 2015 e que o país real, como todos deviam
saber, não bate certo com as ilusões que, da esquerda à direita, chegam em
forma de presente cor de rosa. Uns
mascaram os números, outros, a jeito de rebate, pintam cenários macroeconómicos
e sociais dignos de uma verdadeira profecia do deserto. O desemprego
continua a dividir famílias e a separá-las. Os jovens de 30 anos sentem-se
velhos e incapazes de chegar à paz profissional e pessoal que tanto merecem. Há bairros
às portas das grandes cidades do país que não têm eletricidade nem água
potável. Os hospitais deixam morrer doentes por falta de meios técnicos e
humanos. Há um milhão de pessoas sem médico de família. Nas
escolas, que a Troika também mandou cortar, há crianças que chegam às aulas com
o estômago vazio, sem apoio familiar decente porque os ordenados mínimos
miseráveis lá de casa não chegam para fazer face a necessidades elementares. Crianças
que não têm a oportunidade de estudar de forma equilibrada, crianças condenadas
à pobreza e que o sistema não protege deixando-as em caminhos que, mais tarde,
sabemos bem, as colocam num jogo de pingue pongue entre casas de acolhimento e
os caminhos negros da delinquência. Os nossos
velhos, que mereciam uma reforma serena, envelhecem ainda mais com os filhos e
os netos que lhes entram casa adentro a pedir auxílio. E por aqui
me fico para não me alongar mais. É este o país que conta nas promessas
eleitorais dos partidos políticos deste país? Não, não
é. O país que vai andar nas bocas dos nossos políticos até setembro é outro: é
o país que cresce nas exportações, é o país que se orgulha dos números da
dívida e dos perdões fiscais a bancos que encheram os ricos décadas a fio. O
país que vamos ouvir daqui em diante é um paraíso onde fome, desemprego e
pobreza não têm lugar. Mas nós,
que vivemos no país real, sabemos bem ao que vamos. Resta
saber quantos mais anos são necessários para nos dizerem a verdade tal como ela
é. Sem máscaras nem maquilhagem.
*Crónica de 25 de Maio de 2015, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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