Há um vazio ideológico a nascer.
Entramos
esta semana num momento decisivo para o país, com o debate, no Parlamento, do
Programa do Governo esta segunda e terça-feira. Independentemente
do que venha a acontecer, nomeadamente a rejeição do documento através de
moções anunciadas por PS, Bloco de Esquerda e PCP, e a consequente demissão do Executivo,
há sinais, para mim, muito claros, deste famigerado acordo das esquerdas. Um
acordo pressupõe que todos dialoguem e cheguem a um consenso. Porém, na
verdade, nunca houve uma negociação a três. PCP
e Bloco de Esquerda nunca estiveram juntos em reuniões com o PS. Foi sempre António
Costa quem andou num e noutro a negociar. Catarina
Martins foi demasiado fácil para António Costa, ao contrário de Jerónimo de
Sousa e do PCP. Entre
entendimentos políticos e técnicos, percebemos bem porque Jerónimo dificultou o
processo. Apesar de este acordo ser legítimo e, no futuro, constitucional, não
é, em meu entender, genuíno. Sobretudo
porque não envolve de forma autêntica comunistas e bloquistas. A teoria
de quem considera que Costa está a ser um alvo fácil para bloquistas é uma
especulação mais do que legítima. Na
minha opinião, os comunistas têm toda a razão para ter medo. Medo de perder
terreno eleitoral fiel. Foi
o Bloco quem liderou e manifestou vontade desde o início do processo. Ganhar
espaço ao PS e ao PCP tem sido, sem sombra de dúvidas, uma das missões de
Catarina Martins. Além
disso, Jerónimo teme o poder. Primeiro porque lidera um partido de protesto, e
depois, porque receia que os acordos agora estabelecidos possam ser promessas
vãs do PS. Em
suma, aconteça o que acontecer, o espectro político nacional jamais será o
mesmo. A esquerda virou radicalmente à esquerda. E a direita, encurralada por
uma maioria relativa parlamentar que a impede de governar, também se enredou
sobre si mesma, radicalizando o discurso e afastando-se do centro. Ora
é aqui, neste Centrão, que se está a criar algo de novo. Um vazio. Um espaço de
ocupação que fica órfão de ideologias. Uma
coisa é certa: com um Governo de gestão ou com um Governo de esquerda, o país e
os seus líderes, precisam de juízo. Enquanto
cidadã espero que, qualquer que seja o desfecho, precisamos de seriedade e que deixem
de brincar aos primeiros-ministros e eleições. Seja qual for a futura cor da
cadeira de São Bento, que seja estável. Mesmo que isso possa demorar mais uns
meses.
*Crónica de 9 de novembro, na Antena Livre, 89.7 Abrantes. OUVIR.
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