Guterres: o nome indissociável da obra social.


Regresso a António Guterres porque a entrevista que concedeu esta quarta-feira à RTP3 revelou aquilo que, há muito, penso dele. A conversa centrou-se, na maior parte do tempo, no tema dos refugiados e naquilo que foi o seu trabalho enquanto Alto Comissário das Nações Unidas para os refugiados. Foi um testemunho ímpar aquele que Guterres ontem deixou aos portugueses e ao mundo. Lembrou que «a maior crise que estamos a enfrentar é a situação da Síria» colocando na segurança a «questão central» quando falamos de terrorismo global. Guterres diz-nos também aquilo que, há muito já sabemos, mas que precisamos repetir incessantemente: que «o mundo mudou, tornou-se muito mais violento, muito mais perigoso». Os refugiados «são as pessoas mais vulneráveis, mais desprotegidas», alertou, deixando a quem o ouvia um sentimento de alma vazia, de impotência gigantesca, o mesmo que me atinge diariamente sempre que abro o email e me deparo com imagens chocantes. Vidas à procura de um futuro melhor. Sonhos que valem a pena o risco da morte. Gente, de carne e osso, que foge de uma guerra que não é a sua. O antigo primeiro-ministro relatou-nos aquilo que também eu jamais consigo imaginar. «Nunca pensei que as pessoas pudessem suportar níveis tão elevados de sofrimento», disse. E quando lhe pediram um exemplo que o tivesse marcado nesta última década dedicada aos refugiados, Guterres descreveu, horrorizado ainda, e horrorizando o público, o caso de uma mulher, violada por 17 homens, que lhe matam o filho à sua frente, e cujo o marido morre, vítima de um ataque de coração, quando lhe contam o que acabara de acontecer. Dá para imaginar? Jamais. Sobre o futuro, Guterres deixa-nos uma janela de esperança, dizendo que o problema do terrorismo na Europa «requer um grande investimento que muitas vezes não existiu». «Devemos saber construir uma Europa multicultural, multiétnica, multirreligiosa», apelou, lembrando, e bem que «se a Alemanha tivesse fechado as fronteiras teríamos tido uma calamidade».
Relativamente à política nacional, foi simples, direto e muito claro. Reconheceu que tem «uma dívida, sobretudo com o PS» e que desiludiu «os que pensavam que devia ser candidato» a Belém. «Ser presidente não corresponde à minha maneira de estar no mundo», afirmou, mostrando uma vez mais a fibra que o caracteriza, o Humanismo que, a meu ver, o define, mais do que qualquer outra personagem política do seu tempo. Por fim, e uma hora depois de uma conversa desnudada (mais pelo entrevistado do que pelo jornalista), e que mostrou que Guterres é um grande Humanista e um péssimo gestor político (o seu legado nacional provou, a seu tempo, que não foi talhado para tal), não teve a menor dificuldade em afirmar que «as elites portuguesas não estão ao nível do povo que temos». E é que não estão mesmo, e duvido que algum dia estejam... Jamais saberemos se daria um bom Presidente, como aqui já o referimos, mas que seria um candidato de peso e qualidade, disso não temos a menor dúvida. Seja qual for o seu futuro, não duvido que passará pela obra social, uma marca indissociável do nome Guterres. 

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