Cidadãos de primeira e cidadãos de segunda. Portugal. Século XXI.


Os funcionários públicos vão voltar a trabalhar 35 horas por semana.

Assim que o atual Governo de António Costa tomou posse esta foi, desde logo, uma velhinha bandeira da esquerda que não ficou esquecida. Um ponto em que todos estão de acordo: sindicatos, Governo e partidos que suportam a maioria no Parlamento.

O Governo aponta para julho mas, com os 90 dias da regulamentação, poderá ir até outubro, a entrada em vigor da nova carga horária.

Em setembro de 2013, em pleno programa de ajustamento, o anterior Governo aumentou o horário de trabalho da Função Pública de 35 horas para 40 horas por semana, tal como sempre aconteceu no privado.

O Programa do Governo prevê que a medida não possa implicar um aumento global dos custos com pessoal. O ministro das Finanças, Mário Centeno, sublinhou precisamente isso, mas revelou também que ainda não sabe qual o impacto orçamental da medida, porque apesar de a legislação ter sido alterada não existem estudos que o revelem.

O problema do Governo, e em concreto do ministro das Finanças, é que não fala verdade, porque com a redução para as 35 horas vai inevitavelmente haver aumentos de despesa no setor público. É elementar.

Se por um lado Pedro Passos Coelho ganhou uma guerra perigosa com os funcionários públicos, acusado de ser um fundamentalista a mando da Troika, António Costa volta a correr outro: o de proteger corporativismos de certas classes, abençoados pelos partidos e pelo sistema.

Mas por que carga de água não podem todos os cidadãos trabalhar o mesmo número de horas por semana? Por que razão continua a haver neste país trabalhadores de primeira e de segunda? Sobretudo quando sabemos que, no privado, muitos trabalham bem acima das 40 horas por semana. Tristemente, no privado, sabemos  sem objetivos não há salários, não há solvabilidade, não há empresa que resista.

O diploma aprovado no Parlamento diz, preto no branco, que se pretende apenas garantir direitos básicos da civilização, como o da estabilidade familiar. Estabilidade familiar que, pelos vistos, para o PS e os partidos de esquerda, apenas importam no público. E os portugueses do privado, esses não têm família?

Voltamos a ter, com a esquerda portuguesa, uma classe protegida, em prol de outra que tem de continuar a trabalhar, muitas vezes, para lá da decência.

Isto pode doer a muita gente, mas, para mim, partidos que defendem este tipo de cisões sociais não podem nunca chamarem a si o ónus da igualdade e da protecção dos mais fracos.

A culpa não é dos trabalhadores, a quem sempre lhes foi dado, quase de mão beijada, tudo, sem pedir nada em troca, sem exigências de produtividade, sem níveis igualitários em matéria de empregabilidade.

A culpa é precisamente do sistema político vigente e de sucessivos parlamentos que facilitaram, durante décadas, a contratação coletiva, os direitos dos trabalhadores em prol de outros, colocando na Constituição da República, portugueses de primeira e de segunda.

Enquanto formos armas de arremesso dos sucessivos senhores do poder que tudo põe e dispõe, continuaremos a ser um país em cacos.


Crónica de 1 de fevereiro, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.

Comentários

Mensagens populares