O paradigma empresarial português.
Costuma
dizer-se, na gíria, que Portugal «é um país de doutores e engenheiros». A
frase, caída na voz popular, é conhecida na praça e serve sempre para ilustrar
um país de muitos canudos que não encontram lugar no mercado de trabalho. Nos
últimos anos, a crise económica empurrou muitos cérebros para fora do país,
levando o melhor que temos para outras paragens, enriquecendo outras Nações. O
mais cruel é saber que Portugal continua a desaproveitar os seus melhores
recursos: as pessoas. Um país que investe nos seus e depois os deixa voar não
pode ter uma estratégia de desenvolvimento de sucesso. Perdemos
a nossa indústria, quase matámos a nossa Agricultura e o setor terciário esteve
pelas mesmas horas da morte não fosse o Turismo ter alavancado muitas regiões e
dado uma lufada de ar fresco às economias locais. Muitos
não sabem mas há programas europeus que fomentam a contratação, por exemplo, de
doutorados portugueses. E se os temos questiono-me sempre, por que razão não os
aproveitamos. Há
muitas razões para o nosso atraso. Mas confesso que me choca ver que, por
exemplo, apenas 20 empresários portugueses se candidataram ao primeiro concurso
dos fundos europeus do Portugal 2020, que financia em 50% a contratação de
doutorados e pós-doutorados, pagando metade do salário e dos encargos com
Segurança Social destes novos trabalhadores a fundo perdido. Volto
a repetir é chocante perceber que em Portugal apenas 20 empresas querem ter nos
seus quadros profissionais doutorados e recursos humanos altamente qualificados. Continuamos
a ter uma necessidade extrema de mudança de mentalidade nos gestores e
administradores deste país. Em parte, digo eu, por que se tratam muitas vezes
de empresas pequenas, de natureza familiar ou geridas por patrões menos qualificados. E
o país necessita urgentemente de aumentar a sua competitividade, nomeadamente
nos setores tradicionais, porque sem mais incentivos ao conhecimento e maior
inovação não há grande margem de progresso e crescimento. Enquanto
o nosso tecido empresarial não tirar partido deste capital humano com
conhecimento especializado, experiência de investigação e capacidade técnica de
primeira linha, andaremos sempre no mesmo ciclo vicioso. Sem
empresas competitivas, que paguem salários dignos e justos aos seus
trabalhadores qualificados, não há margem para acrescentar valor à nossa
competitividade económica. Os
empresários que não percebem isto, tendo ao seu dispor fundos europeus para
tal, serão sempre empresários pobres na ação e indignos dessa mesma condição. Tenho
esperança que o paradigma mude. E rapidamente.
*Crónica de 28 de março, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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