O protagonista desta história chama-se Marcelo. E fala da relação que tenho com ele.
Hesitei
muito em escrever este texto. A cada minuto que desejava fazê-lo, no seguinte,
decidia que não podia. Mas cheguei sempre à mesma conclusão. Não o partilhar
seria sempre contra a minha natureza, contra a natureza do protagonista desta
história. Falo da minha relação com Marcelo, essa nova estrela nacional que os
media [tal como fazem com tantos outros] tanto carregam em braços agora, como daqui a um tempo lhes retiram o
tapete. Tudo já se disse sobre o Presidente da República. Não me vou repetir.
Conheci Marcelo Rebelo de Sousa há 14 anos, quando era uma insignificante estagiária
no jornal Público. Lembro-me desse dia como se fosse hoje. Marcelo, que não me
conhecia, teve, nesse pedido de entrevista, o cuidado de me tratar como se me
conhecesse desde sempre. Confiou em mim. Abriu-me as portas de casa e,
percebendo que tinha à sua frente uma jovem inexperiente, que carregava todos
os sonhos jornalísticos do mundo, ajudou na missão. Deu-me frases para títulos
que qualquer jornalista sonha. Facilitou-me a vida dando respostas sem eu ter
ainda feito as perguntas. Perguntas essas que exigiam dureza e firmeza e que
eu, honestamente, não tinha ainda experiência para fazer. Depois desse dia, foi
incansável. Nunca deixou de atender um telefonema. Nunca disse «não» a um pedido profissional –
porque é meramente disso que aqui se trata. E sempre com um sorriso, uma
delicadeza suprema, uma educação que só ele tem. O
político que o destino não quis que fosse em tantos momentos deu-lhe outras
oportunidades. Essencialmente a de se sentar no nosso écran durante anos e anos e de ser alguém que
fazia falta quando não estava.
Nesta
relação político-jornalista nunca falhou um Natal, um aniversário, um «olá» quando há muito eu não dava notícias. Ligava quase
sempre. E se não ligava, nunca falhava com uma mensagem. Numa espécie de
relação até desconcertante, muitas vezes. Lembro-me de no jornal A Capital a
maioria dos meus colegas se divertir com os telefonemas entre nós,
essencialmente, pelas peripécias que envolviam as situações mais absurdas em que
ele se encontrava. Era comum Marcelo estar a 'surfar' nas águas frias do Guincho e
a atender telefonemas; era frequente o Professor estar a ver o Braga aos
berros, enervado, e a responder a perguntas incómodas; era uma festa quando o
meu telefone tocava às cinco da manhã e Marcelo me deixava as respostas no
voicemail às perguntas enviadas por escrito horas antes. Tal como era comum, o professor ligar para falar das coisas mais loucas que se pode imaginar. Isto é Marcelo Rebelo de Sousa, o
homem que por estes dias parece ser consensual em cada lar do país.
Esta
segunda-feira recebo no meu email pessoal um convite. Tinha o carimbo da Presidência
da República. Convidava-me para a tomada de posse na Assembleia da República em
lugar marcado nas galerias do hemiciclo. Sabendo eu o quão limitados são os
convites para cerimónias de Estado, sorri, quando abri o email. Isto é Marcelo:
o político e o homem escorreito, que nunca se esquece daqueles com quem se
relaciona. Infelizmente, quis o destino que à hora em que Marcelo
tomava posse como Chefe de Estado, eu tivesse de estar num tribunal a prestar
esclarecimentos como testemunha abonatória. Se calhar, o destino foi mesmo
traçado. Porque teria lá estado. Provavelmente, o destino foi meu amigo porque
não ter estado era também o que a minha vontade ditava. Gerir fontes, relações
de confiança profissional e estabelecer limites para esses desafios são dos testes mais severos que um jornalista (ser humano) pode ter.
Mas é dos mais desafiantes que a Vida nos concede. Que o destino lhe
dê, professor, o que merece! Que Belém seja o desafio mais completo da sua
vida! Somos jornalistas e temos de estar, sempre, acima da dimensão pessoal.
Mas há momentos – e este é um deles – em que o jornalismo nos concede margem
para errar. Somos gente, de carne e osso, e por isso, aqui assumo, desde já, o erro por esta partilha. Mas tinha de ser feita. E este era o momento.
Comentários