Desejos de Abril: uma Justiça (ainda) desigual



Nesta semana em que Portugal celebra Abril e as suas liberdades quero falar de um episódio triste, que envergonha a comunicação social, a justiça e o país.

A divulgação dos interrogatórios do “Caso Marquês”, que envolve José Sócrates, por parte da SIC, foram, a meu ver, miseráveis.

Além de violarem claramente a lei, que impede a sua divulgação, elas atingem, como farpas, aquilo que são os direitos fundamentais de um cidadão. Seja ele qual for.

Pese embora a acusação que paira sobre o antigo primeiro-ministro já não estar em segredo de justiça e, cada um de nós, já ter feito o nosso juízo moral sobre o assunto, nenhum cidadão deste país merece ser devassado, sobretudo quando nem a julgamento ainda chegámos.

A presunção de inocência, bem sabemos, vale o que vale em Portugal.

Contudo, a SIC e os seus jornalistas resolveram avançar na divulgação das imagens argumentando que o interesse público se sobrepunha à violação da lei.

Além de nada no conteúdo em relação ao processo ser novidade, pois já tinha sido noticiado na imprensa escrita, há só uma pergunta que eu gostava de fazer aos meus colegas jornalistas: se naqueles interrogatórios estivessem familiares seus, será que manteriam a mesma decisão?

Deixo a pergunta no ar, mas todos, decerto, sabemos a resposta.

Não está em causa o direito de informar, de investigar, está sim em causa o direito que qualquer arguido tem à proteção da devassa. Não só a lei proíbe a divulgação dos interrogatórios em formato de vídeo, como é triste a decisão de quem os facultou. E essa espada, estará sempre em cima da cabeça do Ministério Público, órgão que comanda e lidera a investigação.

É pois este o país que temos. Não interessa se é Sócrates, é uma Justiça desigual esta que trata os cidadãos, a todos, de modo diferente.

Por esta razão, faz falta um novo Abril na Justiça portuguesa.

*Crónica desta segunda-feira, 23 de abril, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR

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