Relvas no corpo de Poiares Maduro. O perigo prossegue.
Foto_Miguel Manso [Público] |
Nunca antes se viu uma ideia em
Portugal como aquela de que hoje vou falar. Uma ideia, publicamente assumida
por um Governo, e claramente dita de caras. Num momento único e particular da
nossa história democrática, e sob um programa de ajuda externa, o Executivo de
Pedro Passos Coelho, anuncia que vai estar mais disponível para a comunicação
social e fomentar encontros diários com jornalistas. Uma iniciativa, consideram
eles, que pretende esclarecer todas as dúvidas de actualidade dos profissionais
de imprensa. Podia saudar a ideia, mas no caso, a
boa nova roça não só a demagogia como a tentativa mais básica que já vi e
conheço, de manipulação e controlo mediático. Algo parecido e mais recente só
mesmo no tempo salazarento. Ao fim de dois anos de governação,
com desastres sucessivos na área da comunicação, com erros crassos que
mostraram bem como a gestão com os media foi sempre mal preparada, é que estas
almas se lembram de uma ideia peregrina e perigosa. Poiares Maduro, o homem que
substituiu o animal Relvas na coisa, será o responsável pela anunciada ronda de
briefings semanais com os jornalistas.Temo que a carneirada classe de que
faço parte venha a comparecer na venda de banha da cobra que está prestes a
começar. A juntar a isto, o Governo vai ainda lançar um site na internet,
dirigido aos cidadãos, que é o mesmo que dizer, ao eleitorado. O website irá conter basicamente as
medidas que já foram tomadas nos últimos dois anos e vai também explicar, diz o
Governo, as áreas de intervenção prioritárias para a segunda metade da
legislatura.Perante duas medidas de propaganda
eleitoral, é bom que Pedro Passos Coelho não se esqueça que o povo, apesar de
parecer estúpido e adormecido, é tudo menos isso. Ficamos até com a sensação
que Miguel Relvas continua a comandar o barco à distância no corpo de Poiares
Maduro. Pois é, estamos em ano de
autárquicas e no tempo certo para começar a preparar as legislativas. Mas caro
Pedro, é hérculeo, para não dizem impossível o esforço. As autárquicas e as legislativas
estão perdidas. Não sei se virá melhor ou pior, sei até que melhor não virá,
porque alternativas medíocres como as que temos, não nos deixam margem para
optimismo. Uma coisa é certa. Não é com
propaganda nem laivos
salazarentos que a coisa melhora.
*Crónica de 24 de Junho, Rádio Antena Livre, 89.7, Abrantes.
Comentários
Já há algum tempo que estou para vir aqui falar consigo, a propósito do teor dos últimos posts do Platonismo sobre o (des)governo cá do burgo.
Para começo de conversa: claro que o Platonismo é da cara AC e isso permite-lhe escrevinhar o que bem entender. Mas queria ver se entendia melhor o que lhe vai na alma, visto que - como sabe - tenho por si e pelas suas ideias a mais elevada opinião!
Para continuar a conversa e deixar claro a minha posição: creio que este atual Governo está a falhar redondamente. Creio que as políticas de austeridade estão a dar cabo do nosso país. Creio que todo o discurso dos erros do passado e do legado da governação Socrática, independentemente de estarem certos (mas que fizeram parte de uma estratégia de vitória eleitoral e de explicação para as medidas impopulares), levaram toda a sociedade a um estado de marasmo e intensa descrença, que contagia toda a economia e elimina qualquer possiblidade de recuperação económica durante este ciclo.
Ou seja, a minha opinião é que este Governo tornou-se refém de si próprio, ou refém do seu discurso. Já assim tinha sido, é minha opinião, nos tempos de Durão Barroso, com o discurso "da tanga".
Posto isto, penso que é preciso uma alternativa. E olhando para as alternativas, o cenário é fraco, para não dizer desolador.
António José Seguro parece-me um mau líder. Mas algo tem que ter de bom, pois só assim se explica ter pré-derrotado aquele que parecia poder ser uma luz neste túnel: António Costa.
Paulo Portas está esgotado. Antevejo que se irá reinventar, mais uma vez e como tantas outras vezes, mas jamais voltará a ter a força que chegou a ter. Não merece a confiança de quem - os contribuintes, os pensionistas - nele a depositou, esperando que servisse de contrapoder aos desnortes mais liberais de Coelho, Gaspar, Borges y sus muchachos. Não o fez, perdeu o rumo.
O Bloco de esquerda auto incinerou-se com toda a novela da bizarra sucessão de Louçã e a admissão - a partir da sua própria casa - que não acreditam nas estruturas vigentes (e obrigatórias?) do exercício do poder. Um partido que não consegue eleger um líder e que não se sabe gerir a si próprio, não pode, não sabe, nem quer gerir um país.
E sobra assim o PCP, sempre fiel aos seus princípios e reforçado pela verticalidade política com que enfrenta os tempos. Mas em contrapartida, refém de uma música do passado e de um discurso parado no tempo.
Faltam líderes. Falta quem nos governe, quem nos cative, quem nos motive.
Faltam (ah como faltam!) António Costa e Rui Rio à frente dos principais partidos do arco da governação. Dois homens fortes e que, consta, se entendem. Ou pelo menos parecem entender os seus desentendimentos - que é, no final de contas, o truque de magia da governação.
Ou então... não.
Ou então... será que o que faz falta é uma revolta social profunda? Uma nova ordem social?
Os movimentos de contestação no Brasil, as revoltas nos países muçulmanos, os protestos em Madrid e noutras praças europeias (até em Lisboa, neste país de brandos costumes, tivemos algo parecido), parecem mostrar que este nosso novo mundo, globalizado e internetizado, em que vivemos pede mais do que aquilo que os atuais Governos, partidos políticos e estruturas de poder têm para nos dar. O "povo" de outrora forma hoje uma sociedade instruída, com acesso livre e imediato a um universo de saber, com infinitas capacidades de associação em grupos de ideias ou interesses comuns.
O Estado, como o conhecemos, foi feito para servir o povo, garantindo o equilíbrio entre este e as elites.
Mas que são as elites hoje em dia? Os donos do capital? Qual - de facto e efetivamente - o valor do dinheiro no mundo atual? A que corresponde?
Perguntas que deixo sem resposta (e que não alongo porque há trabalho a fazer), mas sobre as quais gostaria de ouvir a opinião da AC.
Apenas e só para saber como contextualizar o que escreve... e no fundo perceber se nos entendemos... ou se sabemos nos desentender. :)