Emergência social em tempos de pandemia: o grito deles

A pandemia que nos atinge a todos está a fazer-nos olhar para a vida, para os que nos rodeiam, com uma outra perspetiva.


Não digo que seja melhor nem pior. Simplesmente obriga-nos a ver a realidade com outros olhos.

A economia está terrivelmente fragilizada, sem certezas de recuperação à vista. O desemprego começa a fazer a mossa esperada. A crise social aí está, à tona e em crescendo. Muitos de nós continuam em teletrabalho. Mas na normalidade possível de muitos, com os meses de verão, chegam também as férias de verão.

Tudo isto interligado fez-me olhar para Lisboa, cidade onde vivo e trabalho, de um outro modo.

Nas últimas semanas tenho regressado ao centro da cidade, por razões de trabalho, tendo-me isso permitido assistir de perto à realidade.

São muitos os factos. A começar pelo deserto em que se transformou a capital. Pelos restaurantes, cafés e tantas empresas vazios, tristes, perdidos e asfixiados por uma crise sem precedentes. Seguimos, com transportes públicos vazios fora das horas de ponta. Nos jardins e espaços públicos há apenas uma visão: lá estão, desnudados e, ao mesmo tempo, solitários como nunca. Não há turistas. Não há jovens. Não há sorrisos nem aquele bulício constante que antes nos incomodava tantas vezes e agora nos faz falta. Não há, em suma, vida.

Tudo isto são factos que a Covid-19 nos trouxe e que modificou, e muito, as cidades, e também Lisboa.

Esta crónica é um grito. O grito deles. Os que antes da pandemia já se encontravam numa fragilidade imensa e que com a situação atual do país ficaram ainda mais à margem do sistema.

Mas o mais dramático, e que está à tona, só não vê quem não quer, são os sem abrigo, os mais frágeis e desfavorecidos que, com a pandemia, estão mais expostos e desesperados que nunca. Vivem agora numa indignidade sem precedentes, porque esta crise está também a criar constrangimentos à ajuda do Estado.

Num dia apenas, ao calcorrear uma mão de ruas na cidade, foram às dezenas as pessoas que me pediam ajuda: fosse dinheiro, comida ou simplesmente um grito de desespero.

Cheguei a um ponto em que me senti envergonhada. Impotente e apenas e só um elemento fora da caixa.

Esta crónica é um grito. O grito deles. Os que antes da pandemia já se encontravam numa fragilidade imensa e que com a situação atual do país ficaram ainda mais à margem do sistema. Se o Estado, as instituições e todos nós não olharmos para eles rapidamente, em breve tornar-se-ão os fantasmas da cidade, os seus guardiões e, pior, serão eles o símbolo maior da pobreza que agonia na Era Covid-19. 

Vale a pena pensarmos nisto. 

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Crónica de 20 de julho, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR

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