A lucidez que ainda é presente



«A primeira iniciativa para rever a Constituição da República Portuguesa, na altura escrita e aprovada de fresco, foi da autoria de Francisco Sá Carneiro e continha um item memorável. Rezava mais ou menos assim: Portugal aceita os limites à sua soberania decorrentes da integração europeia. Isto de um país aceitar voluntariamente e por sua iniciativa limites à própria soberania seria coisa para arrepiar qualquer patriota. Mas a verdade é que as pátrias dos conservadores - sejam eles de que colorações forem - já não são o que eram. As pátrias passaram a ter o símbolo do mercado e a cor do dinheiro. De maneira que a soberania, a independência nacional, e coisas desse quilate, jazem numa espécie de vala comum dos valores, nas traseiras do Panteão Nacional. E estamos neste pé em matéria de democracia: os portugueses elegem um Parlamento, que escolhe um Governo, e depois vem de lá o inspector e decide. Isto dito porque, como assinalam as gazetas, está lá fora o inspector. Não, não se trata da reposição da peça de teatro do inglês John Boynton Priestley que celebrizou João Villaret, em Portugal, e Fernanda Montenegro, no Brasil. O inspector que para entrar em Portugal nem sequer vai bater à porta, como o da peça, e que vem por aí dentro para vasculhar as contas públicas, é o liberal polaco Janusz Lewandowski, que tem como facto mais notável do seu currículo a titularidade no Ministério das Privatizações do primeiro governo de Varsóvia após o derrube do Muro, ali ao lado, em Berlim. O segundo facto mais notável foi ter governado de tal maneira que na legislatura seguinte não conseguiu sequer a eleição como deputado. Mas na Comissão Europeia o currículo necessário e suficiente é a escolha pessoal do dr. Barroso».

João Paulo Guerra. Diário Económico.

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