«O lado mais fácil e infeliz»

 
«O que já se sabe da proposta do Governo para o Orçamento do Estado não deixa dúvidas: a classe média vai pagar a crise - e em todos os escalões, do médio-baixo ao médio-alto. Mais uma vez, será a espinha dorsal da sociedade portuguesa a sustentar a maior fatia do sacrifício inerente ao despesismo do Estado, às apostas falhadas, à ressaca do ano eleitoral de 2009 e à necessidade de ganharmos juízo para continuarmos a ter acesso à confiança das casas de penhor da alta finança internacional.
O ataque é, numa primeira análise, pouco menos que brutal. Mostra o estado a que chegámos e mostra, neste caso, outras duas coisas: o Governo do PS tem dificuldade em remodelar os desvios cometidos à sombra do chamado "Estado social" (o que é compreensível para uma visão "de esquerda") mas também nunca afrontará com coragem os privilégios dos grandes negócios (veja-se como isentou de imposto a recente operação PT-Telefónica por uma percentagem da Vivo).
Tudo isto se passa porque não podendo tirar aos pobres, não querendo enfrentar a grande riqueza nem diminuir os privilégios dos detentores de cargos públicos que acamparam à sombra do Estado, resta sempre a solução de penalizar quem trabalha e paga os seus impostos conforme manda a lei e a boa consciência cívica e social.(...) A chamada classe média é, em todos os países, a válvula de segurança. É nesse anel social, quanto mais amplo melhor, que são paradas as tentações políticas extremistas, se cultivam mais intensamente os valores da família, se constrói a economia, se defende a segurança e se dinamiza a felicidade de um país.
Não haverá um Portugal com futuro sem uma classe média saudável. Não haverá uma economia pujante sem pessoas com mundo - e os rendimentos das famílias começam a condenar uma grande fatia da sociedade portuguesa a uma rotina de sobrevivência (trabalhar, comer, dormir) que não pressagia nada de bom, e longe da realidade a que teriam direito se o dinheiro que a Europa nos enviou tivesse sido aplicado como devia. Nesse caldo social, com os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, com o desemprego a crescer e a recessão económica à vista, sem a regulação de uma larga maioria de classe média, confiante e empreendedora, não haverá desenvolvimento. Os últimos governos têm esquecido isso. Primeiro permitiram o regabofe, agora seguem de novo o caminho mais fácil. E um dia, se continuarmos nesta via, pagaremos a fatalidade dos orçamentos à pressa, sempre em função das necessidades do presente, sem a coragem de olhar a sociedade numa perspectiva de médio prazo. Chegados a este ponto, é óbvio que vamos ter orçamento. É preciso um orçamento! O PSD vai ter de se abster e de disfarçar com uma declaração qualquer a viabilização de um documento tornado essencial pelo desespero das contas públicas. Mas este é o orçamento do Governo de José Sócrates, minoritário por convicção, e assim deve ser visto e avaliado no futuro».
João Marcelino. Directo do DN.

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