A voz sábia de Pedro Barroso


«JÁ POSTEI algures esta ideia anteriormente, mas neste momento não resisto a clamar o que sinto. Independentemente dos géneros, linguagens e afectos próprios, dois jornalistas - ambos Carlos de seu nome, por coincidência - nos deixaram para sempre. Choca-me o imenso relevo de notícia dado ao caso escabroso e extremo, com todos os pormenores, em pretérito do esquecimento de uma vida de brilho e esforço pela cultura. Carlos Pinto Coelho, meu irmão sem glória, tiveste o enterro discreto, sem tubas nem cornetins, apenas com as palavras dos que te foram amigos e sempre te admiraram. Não sei o que move agora tanto os abutres da notícia, senão o sórdido, a violência, os detalhes cuidadosos da agressão. Mas sei que as exéquias televisivas e revisteiras sobre o Carlos Castro chocam-me por excesso continuado. A cultura da atracção, ao que parece, vence, e de longe, a atracção pela Cultura. Lamento por um país distorcido nos valores, sinceramente. Está visto. O insólito, bombástico, escabroso e chocante, isso sim, cativa atenção e vende noticia. Nem o país falido. Nem eleições. Nem os Bancos, nem FMI. Nem uma vida inteira a lutar pela elevação e dignidade, pela Arte e pela Estética do viver, pelos valores mais altos do homem e da Cultura. Nada disso se sobrepõe ao escândalo de comadres carpideiras numa fraca jornada de propaganda turística ao nosso país e seus costumes. Carlos Pinto Coelho, ficas a saber que tudo o que fizeste numa vida inteira é, afinal, desprezível, prescreve em duas semanas e revela-se, no fundo, pouco importante. Estamos ao nível do saca-rolhas. Do fado de faca-e-alguidar. Fui muito mais próximo e, posso dizer, amigo íntimo do Carlos Pinto Coelho. Doeu muito a sua partida e vai fazer-me falta ainda e por muito tempo, todos os dias. Mas, neste momento, a minha memória vai para ambos. E sinto revolta em nome da justeza de valores e do pudor. E sinto revolta em nome da decência na informação. Acabem com a tourada. O folclore de escárnio, opiniões de pacotilha, detalhes escabrosos e a inusitada sobrerelevância de todo o episódio ocorrido, já  cheira a peça da Broadway de terceira categoria, adaptada pelo jornal o crime lá do sítio. E pelo que conheci dele, das tantas vezes que falamos, e também em nome da sua própria paz e dignidade, suponho que até a ele próprio, Carlos Castro, mesmo sendo um homem do social, desagradaria toda esta prolongada histeria sem sentido».
Pedro Barroso. Blogue Sorumbático

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