«Jornalistas libertados: o perigo da verdade à solta».
«(Para o Alfredo Mendes)
Com a aceleração da crise, cinicamente combatida com a diminuição dos direitos e com o sacrifício dos mais pobres e desprotegidos, prossegue a onda crescente de encerramento de órgãos de comunicação social e de despedimento de jornalistas. No entanto, a cupidez do patronato e a voracidade do actual modelo social predatório empeça o pensamento racional do nosso mandarinado, que não percebe como pode ser mais perigoso ter jornalistas no desemprego do que nas suas empresas. O jornalista não deixa de ser jornalista só porque não está empregado. Ele mantém os olhos abertos, os ouvidos atentos e tinta na caneta. E assim permanece 24 horas por dia, porque o jornalismo não é emprego mas “profissão”; o jornalista é alguém que professou [do latim ‘professare’, freq. de ‘profiteor’], que abraçou um modo de vida, que é um compromisso de verdade, sem termo, consigo mesmo e com a sociedade.
Desconheço quantos jornalistas, até agora, passaram à situação de desempregados e quantos trabalham precariamente, sem quaisquer perspectivas de estabilidade pessoal, afrontando a própria condição humana, nos termos das suas necessidades primordiais, como nos lembrava Maslow (garantir alimento, abrigo, vestuário, saúde, equilíbrio homeostático, …).
Não tardará (se é que já não chegou) o momento em que existirão mais jornalistas desempregados (e semi-empregados) do que aqueles que têm emprego. Muitos já encontrei a trabalhar em restaurantes, em táxis, na agricultura e noutras ocupações. Outros permanecem (e permanecerão) sem conseguir emprego, num mercado de trabalho que rejeita pessoas com mais maturidade e experiência.
Todavia, perante o estado triste, conformado e subjugado a que chegou uma boa parte da nossa Imprensa, estes jornalistas dispensados – apesar de abatidos e indignados – não devem esquecer-se de que deixaram de ter “dono”, de ter quem escolhesse os seus títulos ou de quem determinasse a conveniência e inconveniência política e comercial das notícias que escreviam. Não deixaram de ser jornalistas, mas agora são jornalistas livres! E o céu é o seu único limite.
Que poder não poderão ter umas boas centenas de jornalistas verdadeiramente livres e independentes, em todo o país, se souberem ser solidários e agir através da perigosíssima arma que manejam melhor do que ninguém – a Informação livre?
É difícil não reparar que, entre estas largas centenas de jornalistas, estão dos melhores, dos mais sérios, dos mais experientes e honestos profissionais que conhecemos. Muitos deles transportam consigo memórias de lutas e cicatrizes, em defesa da liberdade, da democracia e do direito do povo à verdade. Com o seu suor, sacrifício e coragem ajudaram a construir um país que agora lhes diz que não têm préstimo. É um ultraje! São mulheres e homens que tiveram importância vital para Portugal e que uma nação não se pode dar ao luxo de deitar fora. São muitos, demasiados, para deixar que isto fique assim!
Se o jornalismo exangue e manso em que, maioritariamente, vivemos é o quarto poder, então o jornalismo livre e independente, feito por centenas de mulheres e de homens livres e independentes pode ser o primeiro poder – a verdade que liberta (Jo 8.32). O que estão a fazer os “empreiteiros” da com. social – com bem os chamou o Alfredo – não é despedir pessoas. Eles estão a tirar as grilhetas a gente que não se verga, que tem dignidade e superlativo valor. Estão a fazê-lo a centenas e centenas. E, assim, sem o quererem, libertando os melhores e mais fortes, correm o risco de que eles se juntem num grande "exército de verdade", peguem nas armas-canetas e, com elas, façam tremer o chão e desmoronem edifícios que parecem sólidos, mas que não passam de castelos de cartas.
É a hora! (Valete, frates)».
Tudo isto, verdades incontornáveis e também com mágoa (por quem escreve e quem lê), é escrito pelo meu amigo Carlos Robalo, que não podia deixar de partilha aqui.
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