«Não me arranja um emprego»?



«Aos quarenta e cinco anos quem me dá trabalho? Ninguém, claro. É capaz de haver uns contentores de lixo com restos de comida, e também se podem comer os filhos, como propunha Swift para combater a fome na Irlanda. E quando os filhos se acabarem coma-se a si mesmo. Ossinhos dos dedos chupados um a um. Nunca me foi tão difícil escrever uma crónica: três dias a rasgar papel. Normalmente fico uma hora ou isso, de caneta suspensa, e depois as palavras começam a sair sozinhas. Esta não, e já estou farto de deitar frases para o lixo. Julgo que se deve ao facto de ter demasiadas coisas dentro de mim, de viver uma altura difícil, de me achar melancólico e revoltado. Melancólico com a minha situação, revoltado com a situação do meu país. É raro o dia em que não me pedem: - Não me arranja um emprego?». Excerto da Crónica de António Lobo Antunes de 25 de Abril, na Visão.

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