Desejo - não efectivar a revolta.



Ainda estamos todos dormentes depois do que ouvimos na passada sexta-feira da boca do Primeiro-Ministro. Em termos gerais, podia falar da medida que vai baixar de forma violenta o salário a todos os trabalhadores em 2013. Podia mas…estou cansada.
E estou cansada porque sei que é cada vez mais impossível falar sobre o assunto. O resultado desta ajuda externa é unânime: o empobrecimento do país é a realidade mais visível.
Mas eu, que sofro também na pele estas medidas, já desisti de as tentar perceber. Quanto mais tento, mais desiludida fico. Esta crónica podia ser de revolta. Só que hoje apetece-me virar a agulha da insatisfação.
A classe média é a grande penalizada deste programa. É ela que influencia o desenvolvimento da economia, os índices de consumo e os níveis de emprego. É ela, sem dúvida, a mais penalizada.
Sinto-me delapidada, como todos os portugueses. Contudo, estou cansada de não entender muita coisa. Será que ainda não percebemos que batemos no fundo? Será que queremos continuar no caminho do desbaratamento do dinheiro público, do aumento dos défices da saúde, da educação e da Justiça?
Há uma coisa que muitos portugueses têm de perceber: é preciso mudar de vida. É preciso abdicar de níveis de conforto que não temos capacidade para ter. E a revolta de parte da classe média é essa: é que não consegue sair do estado de vida em que se meteu à custa de créditos, de dívidas e de falsos sonhos.
A classe baixa, a partir de Janeiro de 2013, passa a estar desprotegida pelo Estado. E isto é o mais chocante que resulta do agora anunciado.
O erro que o Governo e a Troika estão a cometer com o aumento de 18% no desconto para a Segurança Social de todos os trabalhadores é outro e bate na tecla que eu insisto há muitos anos: a chamada tecla dos salários. Enquanto o país não evoluir em tabelas salariais dignas, não saímos da cepa torta. Podemos aceitar cortes, podemos aceitar aumentos de impostos, podemos aceitar a austeridade que nos vai matando, mas não podemos aceitar nunca salários miseráveis. E esta medida, que ajuda sem dúvida, as empresas a aliviar a pressão em que se encontram, só nos faz retroceder, por outro lado, em matéria de salários.
É por isso que é uma medida é perigosa. Vai colocar-nos ainda mais abaixo do patamar da dignidade aceitável em matéria de salários.
E o mais grave diz respeito ao salário mínimo que actualmente, em valores brutos, é de 485 euros. Líquido, deduzido da taxa social única de 11%, é de 431 euros. Passando a ser taxado a 18%, já que a medida atinge todos de forma indiferenciada, o salário mínimo líquido em Portugal, passará para a quantia fantástica de 397 euros. Se este valor já era indigno então agora vai ser digno de um país a morrer de fome.
Os salários dos portugueses vão sê-lo ainda mais. É neste ponto que não podemos aceitar este confronto.
De resto, quero o meu país sustentável, estou cá para dar o corpo às balas que não são minhas, mesmo que isso se traduza em muitas dificuldades, como assim já é.
O pior de tudo é que a medida é tudo menos estrutural. Serve apenas para arranjar mil milhões de euros para tapar parte do buraco do défice que é preciso cumprir no próximo ano.
E isto, caros ouvintes, isto é que é dramático e nos coloca a todos na linha limite do aceitável.
Continuo a ter esperança. Só que ela também se acaba. Espero que todos vós tenham mais esperança que eu para conseguirmos sair deste pântano em que nos meteram.

Nota – Este texto foi a minha crónica da Rádio Antena Livre desta segunda-feira. Em 89.7 (Abrantes). 

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