Jornalistas. Nem bode expiatório nem esqueletos.

No final da semana passada o país ficou a saber, através da Procuradoria-Geral da República, o resultado de uma auditoria à violação do segredo de justiça. O seu autor, o procurador João Rato, defende, entre outros disparates, escutas a jornalistas e buscas a redacções para obtenção de provas daquele crime. Do dito documento, ficamos todos a saber que dos 83 inquéritos abertos em 2011 e 2012 por violação do segredo, só nove resultaram em acusação. O autor do trabalho defende ainda multas dissuasoras para os órgãos de comunicação social e jornalistas que violem o segredo de justiça, sendo a suspensão da sua actividade outra penalização prevista. Realmente vivemos todos num país de loucos e quando a Justiça mostra, desta forma, a sua demência, resta-me concluir que vivo num País sem futuro e liderado por malucos. Se a senhora Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, diz que a sua grande luta é o combate à violação do segredo de justiça então começa precisamente pelo lado errado, sobretudo quando estão em causa liberdades constitucionais. Ou será que na PGR o artigo 38 da Constituição da República Portuguesa, que garante a liberdade de imprensa, é estranho e desconhecido? Pelos vistos no melhor pano cai a nódoa. E a nódoa, no caso, chama-se Justiça. Uma justiça que não consegue travar as fugas de informação dos seus agentes e dos seus processos. Uma Justiça que quer sacudir a água do capote tornando os jornalistas o bode expiatório do cancro do sistema judiciário. Tenho vergonha, enquanto jornalista, do meu país e dos seus responsáveis máximos. Não desculpabilizo a minha classe. Também tem culpas no cartório, nomeadamente, quando publica informações de processos que ainda estão em segredo de justiça. Mas no caso há uma tribuna própria de julgamento, há um regulador e mecanismos disciplinares que terão de ser accionados para penalizar os jornalistas que violam a lei. Bem sabemos que, tal como na Justiça, também aqui não há penalizações. Contudo, no processo de culpa, antes de nós, jornalistas, há as fontes, a Justiça e os seus agentes, os primeiros a violarem a lei. E esses agentes não saberão, porventura, que a função de um jornalista é divulgar segredos e não guardá-los a sete chaves? Vi, depois deste absurdo, a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, a rejeitar propostas legislativas que afectem a liberdade de imprensa, em referência ao estudo em causa. Fica-lhe bem, e espera-se que o poder político, a menos que queiram extinguir a profissão, condene qualquer tentativa de punição deste género. Vivemos num Estado democrático e se querem transformá-lo em ditadura então primeiro há muitos outros esqueletos que terão de ser erradicados. No dia que punirem órgãos de comunicação social e jornalistas por violação de segredo de justiça então não haverá estabelecimentos prisionais suficientes para tanta gente, a começar pelo sistema judicial, por polícias, advogados, juízes e magistrados do Ministério Público.

Crónica de 13 de Janeiro, Antena Livre, 89.7, Abrantes.

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