Pode uma entrevista ser oca e esclarecedora? Pode, pode...

Os últimos três anos têm alterado, em muito, a forma como interpreto as grandes entrevistas políticas, sobretudo pela fraca qualidade dos nossos queridos governantes. Uma boa entrevista depende de muitos factores, como até um leigo sobre a matéria sabe, basta usar o bom senso. Na verdade, um alegado mau entrevistado pode dar uma excelente conversa, se o jornalista conseguir ter arte para tal. E um putativo bom entrevistado pode acabar a dar uma péssima entrevista, deixando nas mãos do jornalista a difícil tarefa de editar a coisa. A entrevista que o primeiro-ministro hoje deu à SIC não foi uma nem outra coisa. Desde a forma ao conteúdo, padeceu de muitos males, que antes de serem criados já o eram. José Gomes Ferreira cometeu o erro (previsível) de orientar a conversa para a tecnicidade das matérias económicas. Indexação? Tabelas remuneratórias? Colecta? Sim, tudo certinho direitinho, mas linguagem de fiscalista e de economista. Uma televisão generalista tem de perceber que abrange um público diverso, e arriscaria até, um público que não sabe (nem tem de saber) interpretar coisas importantes. Não ajudou igualmente a forma desorganizada como o jornalista preparou a entrevista. Atabalhoada, sem nexo, à deriva. Não houve um fio condutor estruturante, que ligasse os assuntos e que permitisse obrigar o primeiro-ministro a explicar às pessoas o que realmente interessava. Depois houve, aqui e ali, sinais muito claros, ainda que discretos, da linha que orienta José Gomes Ferreira, conhecido apoiante da dose de austeridade que a Troika por cá veio impor e, da qual, o Governo de Passos Coelho cumpriu mais do que devia. Seja como for, jornalisticamente, foi uma entrevista oca, sem substância, que não esclareceu os cidadãos e que padeceu de muitas frases feitas, preparadas pelo staff, que, como bem sabemos, faz parte das estratégias de gabinete de qualquer Governo que se preze. E se tivesse de eleger o momento da mensagem principal preparada para veicular em horário nobre (a um mês de europeias, a um ano de legislativas e a dois de presidenciais), pois que ela passou lindamente. Pois que o perfil do candidato presidencial do PSD aproxima-se de Cavaco Silva. Ora bem, Marcelo a esta hora está a rever a sua postura, a sua homilia dominical e a sonhar com Cavaco a noite toda: «quero ser como ele! Vou ser como ele!», deverão ser as frases que o professor vai passar a repetir de segundo a segundo para cumprir a reza que Passos exige. E se dúvidas havia sobre o que pensa Pedro de José Manuel (Durão Barroso), há momentos em que a não resposta e/ou o silêncio representam a resposta mais esclarecedora. Eu, por mim, fiquei na mesma em relação ao que pretende este Governo fazer para combater o desemprego, para apoiar os mais pobres, para minimizar os impactos que caem sobre a classe média. Contudo, fiquei esclarecidíssima em relação à vontade do líder do PSD sobre quem deseja para Belém. Claro, isto a dois anos de distância da coisa. 

P.S. - Com Miguel Sousa Tavares na estação, tinham mesmo de insistir no parcial José Gomes Ferreira?

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