Europeias 2014. A viragem do sistema político.
Esta crónica, escrita no
calor do momento em que foram divulgados os resultados oficiais das eleições europeias,
é triste. E é triste por se ter confirmado o pior cenário da abstenção, a
grande vencedora da noite eleitoral deste domingo. Uma fraca participação
eleitoral que, à semelhança dos restantes países europeus, saiu a sorrir de uma
Europa em decadência. 66 por cento. Foi este o
valor da abstenção em Portugal. E isto demonstra a relação dramática da União
Europeia com os seus cidadãos. Por cá, entre os derrotados e
vencedores, há claramente uma personagem que emana e que, legitimamente, chega
a Bruxelas. Marinho Pinto, antigo Bastonário da Ordem dos Advogados, chegou ao
eleitorado. Com um discurso próprio, simples e directo, conseguiu a proeza de
provar que a insatisfação com o bloco central de interesses pode virar-se para
outras alternativas. Uma espécie de populismo que está a renascer numa Europa
que não sabe comunicar com os seus eleitores. Por pouco, era ele o
responsável pelo desaparecimento dol Bloco de Esquerda do espectro europeu.
Apesar de Marisa Matias ter sido eleita à tangente, a verdade é que, o
resultado do Bloco demonstra que a bicefalia actual
da liderança não consegue acordar o eleitorado que trouxe o Bloco à ribalta.
Catarina Martins e João Semedo devem estar ansiosos para que fechem a porta
antes do enterro final. O Bloco desaparece de eleição em eleição tal como cai
um castelo de cartas em chamas. Resta saber quanto mais tempo demorará a
agonia. Um espaço
à esquerda que a CDU de Jerónimo de Sousa tem sabido capitalizar de forma plena.
O resultado do candidato João Ferreira mostrou claramente a coerência do
partido da foice e do martelo. Coerência
histórica, programática e eleitoral. Esta é também uma vitória de Jerónimo de
Sousa, que tem conseguido, ao contrário do que muitos pensariam, trazer gente e
sangue novos, capazes de liderar (e bem) cada frente de combate comunista. O PS, que
tinha de vencer estas eleições, cumpriu. Mas cumpriu pouco, pela margem mínima.
O resultado de Francisco Assis não levanta a moral dos críticos do Largo do
Rato. Ao contrário do que afirmou o candidato do PS ao início da noite, não, em
Portugal, infelizmente, a direita não teve uma «verdadeira derrota histórica» e
o PS não conseguiu provar ser alternativa de futuro. Para
tristeza de António José Seguro, ainda não foi desta que o «país se reconciliou
com o PS». A esquerda em Portugal, a do arco do poder, infelizmente, ficou hoje
com a prova de que está no mesmo caldeirão que PSD e CDS. É o custo dos
partidos do centrão, que em Portugal, não aprenderam a reinventar-se nem
acompanhar as necessidades dos cidadãos. PSD e CDS
sucumbiram, mesmo em coligação, fruto das políticas do actual Governo que
comanda Portugal às ordens da Troika. Resta saber quanto vale actualmente e
sozinho o CDS de Paulo Portas. E esta foi
uma das maiores dúvidas da noite eleitoral deste domingo. A resposta só chegará
quando o CDS voltar sozinho às urnas. Seja como
for, e a um ano de legislativas, ficou pelo menos uma certeza: Portugal está a
rejeitar os partidos de poder. Pouco a pouco as lideranças dos partidos de
quadros neste país estão a ser trituradas. Resta
saber se daqui a um ano, António José Seguro ainda será líder do PS. Apesar da
vitória, os próximos meses no Largo do Rato vão ser em chamas. Vitórias à José
Sócrates precisam-se, porque a de ontem à noite parecia mais uma vitória de
Pirro.
Crónica 26 de Maio, Antena Livre, 89.7, Abrantes.
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