Emídio Rangel. Carta de uma (não) despedida.
Sabíamos da doença. Mas a esperança sempre foi mais forte que a merda da podridão que ataca o corpo. Lembro-me como se fosse hoje do dia em que te conheci, das aulas duras e, ao mesmo tempo, doces, que no longínquo Inverno de 2004, me ofereceste nos jardins da Gulbenkian. Aulas de lápis da mão, com Steinbeck pelo meio, e com os ouvidos nos phones velhinhos e enrolados em nó quase cego. As notícias eram de meia em meia hora. Perdê-las era perder o respirar. O Carlos (Pinto Coelho) bem me dizia: «vais aprender com o melhor dos melhores. O melhor mesmo». Emídio, pai de tantos de nós, pai da rádio, pai deste Jornalismo que entrou em decadência, parte assim, já avisando mas sempre em silêncio. Perco, a cada ano que passa, o melhor de mim, partes de um todo que me preenche a vida profissional e a pessoal. Começo a achar que, de facto, os melhores me abandonam cedo. Cedo demais para quem, como eu, precisa deles para me amparar, para me desviar dos perigos que espreitam a cada hora que passa nos ponteiros. Pode o relógio parar? Pode o tempo voltar? Posso eu compensar as perdas sucessivas? Sei que a todas as perguntas o «Não» é certeza. Porque a Vida e a Morte me têm ensinado que, quem fica, tem de saber conviver com os silêncios, com as ausências. De vozes, sorrisos, sermões, lições e abraços. Somos massa material apenas. O existencial é o que não podemos. E é nele que tento segurar-me. Até sempre, querido Emídio, neste Agosto cinzento cada vez mais carregado de nuvens, pesadas, que a escrita, as ondas e a televisão jamais conseguirão transportar sem dor. «Oh, misty eye of the mountain below, keep careful watch of my brothers' souls...»
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