A hora de Costa.




António Costa foi o vencedor incontestável das históricas primárias do PS deste domingo. Contudo, e ainda que fosse esperada esta esmagadora vitória do actual presidente da Câmara de Lisboa, tenho muitas dúvidas de que este resultado una os socialistas em torno de um projecto agregador. Segue-se agora o trabalho hercúleo de reconstrução de um partido e a primeira de muitas batalhas que se seguem. A primeira, e antes mesmo de arrumar a casa, passa pela recuperação da imagem do PS. Foram quatro meses de confrontos, de ataques pessoais, que fragilizou, e muito, a coesão interna do PS. Os militantes e os simpatizantes disseram «sim» de forma inequívoca mas, e o eleitorado que disse «nim»? Como fica a caça ao voto ao centro e mais à esquerda do PS? Essa é uma das grandes batalhas de António Costa a partir de hoje, o primeiro dia do resto da sua vida à frente do partido. Apesar de tudo isto, António Costa mostrou nesta campanha que, afinal, a montanha pariu um rato. Não se comprometeu com nada, não assegurou com firmeza por que razão era diferente de António José Seguro. Pior. Não mostrou ao que vem e o que o pode diferenciar de Pedro Passos Coelho. Sobretudo num momento muito sensível da vida do país, dependente de compromissos internacionais, e bem longe dos tempos guterristas e socráticos de despesismo sem limites. Esta é outra das batalhas mais duras que terá pela frente bem como a de convencer os portugueses de que tem uma estratégia clara e alternativa à austeridade e às ordens que chegam do FMI e de Bruxelas. Por fim, a gestão política do actual cargo de presidente da maior câmara do País com a de secretário-geral do PS e candidato a primeiro-ministro será outro ponto onde Costa terá de provar que está à altura. Tem tempo, já que terá as directas e o congresso para poder gerir o dossier. Fácil não será mas impossível também não o é. Porém, terá de mostrar ser capaz de fazer a transição ainda que a imagem de abandono da autarquia da capital para se dedicar a voos mais altos e perigosos possa vir a fazer mossa no eleitorado, que nunca gostou dos salta pocinhas do regime. Seja como for, o PS, pela história que tem no sistema político nacional, precisa de tranquilidade. Costa tem agora a sua derradeira oportunidade de provar que não é um ratinho mas sim uma montanha digna de resistência circunstancial. Veremos se será capaz. Tenho dúvidas. Espero, contudo, que o tempo prove que estou redondamente enganada.



*Crónica de 29 de Setembro, 89.7, Abrantes. OUVIR.

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