Algarve. Entre a serra e o mal, eis o Barrocal.


Guadiana, Alcoutim.


Alcoutim

Cataplana algarvia

Estoi

Hoje quero falar-vos de um canto muito especial e que, por razões profissionais, descobri há poucos dias como nunca antes tivera conhecido. Falo-vos do Barrocal algarvio, terras que se inscrevem entre o litoral e as serras do Sul, com uma identidade muito própria e que nos fazem sentir noutra dimensão. Calcorreei montes, vales e até a costa desde Loulé a Faro, passando por Olhão, São Brás de Alportel, Silves e Alcoutim. Em todos estes concelhos há todo um território, à beira-serra, que nos desperta as emoções. E neste Outono, que mais parece um Verão teimoso, descobri uma paisagem com cunho próprio. Encontrei cidades, vilas e aldeias que se assemelham a manchas brancas da cal, aninhadas entre o verde dos campos e o azul da costa a perder de vista. Imagens inscritas no horizonte da serra que cheira a rosmaninho, a tomilho e que desperta, devagarinho, para os sabores outonais. Do barrocal à serra é um instante, mas até ao mar também. Descobri pratos regionais onde os sabores das terras altas se misturam em harmonia com os do mar. Senti o cheiro das receitas ancestrais que ainda se guardam nos povoados de São Brás de Alportel, onde o fogo há dois anos levou quase tudo, mas não destruiu a esperança de um povo que resiste. Ao longo desta viagem, de uns curtos três dias, encontrei uma arquitectura tradicional viva, patente de forma exuberante nas imaculadas chaminés algarvias. Longe das extensas praias e das arribas abruptas, o verde garrido mistura-se com variados tons acastanhados da terra na vasta extensão do Barrocal algarvio, que nos dá a conhecer um outro Algarve, coberto de laranjais e de pomares de figo, alfarroba e amêndoa. Aqui, onde o sol nasce silencioso, inundando o mundo de uma luz púrpura e líquida, onde o mar permanece adormecido, onde a manhã se anuncia a cada dia como se fosse a primeira e onde tudo é tão perfeito e luminoso, apetece ficar para sempre. O Algarve não é só litoral, é também barrocal e serra. E lá mora a riqueza de uma região que tem tanto por descobrir. Entre percursos no meio das serras, provando a batata-doce que abunda por estes dias, passando pelo pão de alfarroba e provando o medronho, admirei artes e ofícios que persistem, testemunhos de saberes antigos, seja na olaria, na cestaria ou até na chamada empreita. Conheci gentes como a cidade não tem, envolvi-me nas suas rotinas, criei laços que, sei, me marcarão para sempre. Depois de tantas viagens por este país que cheira a sangue só nosso, ainda me emociono sempre que conheço mais um pouco. E é por isso que esta crónica é hoje dedicada a estas gentes do Sul e a vocês, caros ouvintes. Se puderem visitem este outro Algarve, descubram-no, deixem-se seduzir pela sua beleza. Verão que há muito mais por descobrir do que o sol e a praia.

*Crónica de 27 de Outubro, Antena Livre, 89.7, Abrantes.


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