Momento «Em nome de ti, ALA», dia 345.
Momento «Em nome de ti, ALA», dia 345: «Nunca
ninguém morre nos meus livros, passam é a viver de maneira diferente. O meu
pai, depois de morrer, continuou a mudar, a existir dentro de mim. E
continuámos a falar. Até que chega uma altura em que estamos em paz e o nosso
diálogo é de tal maneira perfeito que nem sequer necessitamos de palavras. E
depois sentimos que estamos a viver também por eles. Eu estou a viver pelas
pessoas de quem gostei e que, para mim, continuam vivas. Mas, ao mesmo tempo,
quando escrevemos, estamos tão ocupados a resolver os problemas técnicos que
não sabemos muito bem para onde estamos a ir. Claro que não é escrita
automática, mas... Estamos a querer dizer a vida toda. E, no fundo, talvez seja
a única maneira que nós temos de vencer a morte. Não sei. Há uma coisa muito mais
importante do que o talento: é a bondade. E como, para mim, o defeito mais
grave é a ingratidão, a única coisa que eu sempre achei que tinha era a
capacidade de escrever coisas em que pudesse dar às pessoas de quem gostava
aquilo que não era capaz de lhes dar. Por pudor, por vergonha, por cobardia,
talvez, por estupidez. Está a ver? Tomem lá, isto sou eu. Tomem. É para vocês.
É um presente que eu fiz. Quando um dos meus irmãos era pequenino, o meu pai
fez anos e o presente que o miúdo lhe deu foi uma torrada embrulhada num
guardanapo de papel. Nunca vi o meu pai tão comovido. Uma vez, uma das minhas
filhas, quando era pequenina, deu-me 25 tostões, nos meus anos. Foi o melhor
presente que me deram. Estou a dizer isto e estou a comover-me porque [pausa]
nunca me deram tanto dinheiro».
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