Carta aberta aos candidatos a primeiro-ministro.
No espaço de duas
semanas percorri o país, de norte a sul. Do Douro ao Algarve, fiz centenas de
quilómetros, onde, pelos dias que correm, os partidos que estão no poder teimam
em continuar a dizer que este mesmo país está melhor. Não me canso de dizer
que os políticos, deste ou de qualquer outro país, deviam sair dos centros de
decisão, dos seus gabinetes e das suas esferas de influência, para colocar o pé
no país real, no interior abandonado, nos territórios desertificados, na fome
que lavra. Basta percorrer
aldeias, vilas e cidades encostados à raia e até outros pontos mais para
Litoral, para perceber que o desenvolvimento chegou através das estradas, do
betão que eleva monstros vazios onde há muito deixou de haver relações
comerciais e económicas. Se isso não bastasse,
há depois as gentes, as populações que resistem, envelhecidas, que se vão
alimentando do pouco que a terra dá, sozinhos, porque filhos e netos partiram
para outras paragens, a maioria, para fora das fronteiras. Dados oficiais recentemente
divulgados mostram-nos aquilo que já sabíamos, mas de forma nua, e com muita
crueldade à mistura. 485 mil pessoas abandonaram o país nos últimos quatro anos. O problema
demográfico já não é só uma preocupação, é hoje uma consequência em frente dos nossos
olhos, com os velhos a morrer mais cedo e os jovens, precários, a adiar a
maternidade por anos e anos a fio. As reformas estruturais
não aconteceram, o país continua impreparado em muitas áreas que são decisivas
para a reforma do Estado social que nunca chegou a ser refundado. Nem esquerda
nem direita, e muito menos os tão digníssimos técnicos da Troika, merecem
respeito por aqui. Há décadas que este
país precisa de se regenerar. Sempre aceitei a austeridade do ponto de vista da
verdade, mas não desta forma, inútil e inócua, que apenas cortou a eito e se
limitou a cumprir números de controlo do défice. Lamentavelmente
estamos mais pobres. Este país que se me apresenta hoje, em cada passo que dou
em direção a ele, está em ruínas, fazendo lembrar, metaforicamente, a
destruição da Europa no final da II Grande Guerra. É com tudo isto que
os nossos políticos e partidos se apresentam a votos nas legislativas deste
ano. Talvez a maior angústia do atual primeiro-ministro se venha mesmo a
comprovar: a tão famigerada reestruturação de dívida que não é, como todos
sabemos, pagável. Se a Grécia se salvar
e permanecer na zona euro, decerto isso só será possível com perdão de dívida e
negociação da mesma. E esse será o último ato da caixa de pandora que, depois
de aberta, terá de oferecer aos países intervencionados do sul a mesma
oportunidade. No atual momento,
essa parece ser, na melhor das hipóteses, a salvação do povo grego, mas também
o alívio da nação portuguesa. Será a prova de que esta fórmula de austeridade
não resultou. Porventura, outras, resultarão. Mas esta, em particular, é já um
redondo falhanço para o dirigismo europeu e para os povos ocidentais que dela
foram vítimas. Portugal não deixará
de existir. Mas recomendamos uma viagem, de norte a sul, aos candidatos a
primeiro-ministro, para pensarem duas vezes, antes de falarem, à boca cheia, de
realidades que não conhecem. O eleitorado, que tanto dizem respeitar, agradece.
*Crónica de 13 de julho, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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