Contra os muros que se erguem, gritar, gritar!


Foto: Reuters


A pé, de comboio, a pularem muros e cercas. São aos milhares e fazem recordar-nos o horror de há 70 anos, naquele quadro de terror que foi o Holocausto. É arrepiante pensar que a vaga migratória de 2015 tem lugar no mesmo chão e nas mesmas fronteiras onde, na II Guerra Mundial, outros tentaram fazer o mesmo: fugir às sepulturas que os esperavam. Falo, obviamente, do drama dos refugiados. Já aqui abordei a questão há uns meses. Mas, desde então até ao ponto em que chegamos, nada foi feito. A Europa, como se esperava, virou costas ao problema, colocando no topo das suas prioridades brincadeiras de meninos gregos. O mundo ficou em choque na semana passada quando a terrível imagem de uma criança nos entrou pela nossas casas e pelos nossos corações adentro. Talvez tenha sido, de facto necessário, que tal acontecesse para que a União Europeia abrisse os olhos e começasse a pensar efetivamente na sua matriz fundadora e que até ao momento estava apenas no papel. Finalmente, Bruxelas avança com um novo modelo de repartição de refugiados, que vai alivia os países bálticos e do bloco de Leste (com a exceção da Polónia), e eleva a percentagem dos países grandes e favoráveis às quotas obrigatórias, como a França e a Alemanha. Além da alteração nas percentagens, Bruxelas inclui a Hungria no grupo de países (até agora composto pela Grécia e pela Itália) a partir dos quais os refugiados vão começar a ser levados para os restantes Estados-membros. Por outro lado, o executivo comunitário vai permitir um regime de exceção quanto à receção de migrantes. Se um Estado-membro justificar a sua falta de capacidade para receber o quota que lhe compete, Bruxelas admite isentar esse país durante um ano, mas desde que pague uma quantia - ainda por determinar - diretamente ao orçamento comunitário. A verba funcionará como uma penalização pelo não envolvimento no modelo solidário. É já esta semana que Bruxelas vai divulgar a sua proposta para ajudar milhares e milhares de homens, mulheres e crianças que fogem da morte, de um túnel onde a luz se esgotou e que procuram no mundo supostamente desenvolvido uma mão de esperança. Esperamos uma resposta firme e eficaz ao desafio maior que a União Europeia tem pela frente. O mais triste é que foi preciso centenas de pessoas morrerem às nossas portas para a alta política europeia perceber que tinha de agir. É agora ou nunca e ontem já era tarde. Que Portugal saiba igualmente responder com o coração, porque só podemos esperar solidariedade de outros se formos capazes de ser parte da solução europeia para o problema que temos em mãos. Eu, por mim, acredito que somos capazes. O dinheiro é essencial, mas mais importante que o capital, é a vontade de preservar a dignidade humana. A nossa e a dos outros povos.

*Crónica de 7 de setembro na Antena Livre, 9.7, Abrantes. OUVIR.

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