Sócrates e os media.




A saída de José Sócrates do estabelecimento prisional de Évora fez desta sexta-feira à noite um autêntico (e triste) circo mediático no palco das estações televisivas, dos jornais online e das rádios. A comunicação social portuguesa continua a não aprender com os erros do passado e insiste em persistir no erro de informar assim, em histeria e, como se diz na gíria, «a encher chouriços». Ultrapassamos, há muito, enquanto classe, os limites das regras, da disciplina e da ética. As velhinhas regras dos 5 W’s (Who, When, Where, Why, What) e dos 3 C’s (Claro, Curto e Conciso) há muito que se perderam apenas nos livros. Hoje não nos limitamos a dar a notícia e a interpretá-la de forma simples e clara. Hoje, o que importa é oferecer aos leitores horas e horas a fio com informações tão importantes como: a quem pertence o n.º 33, quais os ingredientes da pizza que o homem pediu (uma cena deplorável), qual a última refeição na prisão, o que trazia vestido e calçado, etc., etc., etc. Obviamente que este é um caso terrivelmente importante. Sem dúvida que tem e deve ser noticiado ao longo de todas as fases em que decorre o processo. Mas há limites. Limites para informar, limites ao nível do respeito pela dignidade humana e respeito pelo trabalho que fazemos. Tristemente, a minha classe não tem sabido respeitar nem as regras nem os limites. Entretanto, os diretores de informação, vão defendendo os seus profissionais, à boca cheia, e em horário nobre televisivo. E são também eles os responsáveis por esta forma muito triste de se exercer uma profissão, porque incentivam as práticas, permitem-nas e assinam por baixo. Tal como em tudo na vida, também nesta profissão, não pode valer tudo. Lembro-me há uns anos, quando Pedro Santana Lopes substitui Durão Barroso em São Bento, de o diretor do jornal onde trabalhava na altura me ter pedido um trabalho que ultrapassava, em muito, os limites do meu trabalho. Tinha 22 anos. Era jornalista há meses. Recusei. Disse que não fazia o trabalho e expliquei porquê. Antes de sair do gabinete apenas disse: «se quiseres despedir-me, estás à vontade». Não fui despedida. Ainda hoje sou amiga desse antigo diretor e ganhei, acima de tudo, o respeito por mim própria, pelas minhas fontes e pelos meus leitores. Outros casos semelhantes se sucederam até hoje. Consegui não perder a coragem para dizer NÃO quando é preciso. Porque fazê-lo, quando é necessário, é sermos fiel a nós mesmos, ao que nos ensinaram. Porque se assim não for, valeu de quê o que andaram a apregoar-nos durante cinco anos na Universidade? Recordo este exemplo porque ele se relaciona com tudo isto a que assisto incrédula. Depende de cada jornalista ser o que quiser. Mas imagens como as que vemos, repetidamente, como as de ontem à noite, são tudo, menos jornalismo. Pior que tudo isto? É que o jornalismo que queremos ser molda a sociedade que informamos, como sabemos. Mas pelos vistos, a minha classe vive bem como isso.

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