A prova de fogo da vida de Marcelo.
Sem
surpresas, Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito presidente da República. Em
democracia não se ganham eleições antes de contados todos os votos, dita o bom
senso e as boas regras democráticas. Contudo,
nesta eleição, atípica e expectante pelo número de candidatos, desde logo se
percebeu, que o antigo comentador partia para o jogo em clara vantagem em
relação a todos os outros. Além
da sua popularidade, que fazia mossa em todos os estratos sociais, em todas as
faixas etárias, da esquerda à direita, Marcelo quis arriscar a campanha do
povo. Sem
cartazes, sem comícios, sem grandes almoços e jantares, sem arruadas ou
histerismos de rua e nos mercados. Até marmita o professor levava para a
campanha. E mesmo com Sampaio da Nóvoa a ganhar terreno nas últimas duas
semanas, dificilmente a eleição escaparia a Marcelo.
Além
das duas surpresas da noite, Marisa Matias e Tino de Rãs, há de facto um
problema que a esquerda, nomeadamente António Costa tem em mãos. O PS,
institucionalmente, optou por não apoiar nenhum candidato, fazendo desta
primeira volta uma espécie de primárias. Deu
um tiro no pé. Tremendo. Pela primeira vez na história do partido, e pelas mãos
de Costa, o PS não contou nesta campanha presidencial. E isto, isto será
decerto imperdoável para muitos socialistas. Costa, que sabe que coabitar com
Marcelo pode revelar-se um pesadelo, perdeu em toda a linha, da esquerda à
direita. E contribuiu em muito para dividir ainda mais um PS que andou à deriva
entre Maria de Belém e Sampaio da Nóvoa. À
esquerda, Marisa Matias dá uma tareia a Edgar Silva e Maria de Belém. Uma
vitória da eurodeputada mas essencialmente do Bloco de Esquerda, que vem num
crescendo desde as legislativas como nunca vimos nem no tempo de Francisco
Louçã. É por isso que também estes resultados – afetos ao Bloco e ao PCP – vão
ditar, e muito, a solidez ou fragilidade do acordo parlamentar que suporta o
Governo. O
PCP, por seu turno, tem muito para refletir. O Bloco está a aniquilar muito do
seu espaço e, no tal acordo a que a direita chama de geringonça, Jerónimo sabe
que Catarina quer marcar mais golos do que ele. Ontem à noite foi já a primeira
goleada na batalha de votos e posições no campo ideológico mais extremo à
esquerda. Uma
nota final para a abstenção, que, mais uma vez, é a primeira no topo da lista. Um
país que não vota, que não escolhe, que não dita o que quer, não pode ser um
país pleno de vontades. Continuamos a perder, todos nós, cidadãos, que estamos
sempre prontos para criticar a fraca classe política que temos à disposição. Este
é talvez o maior dos problemas que continuamos a ter em mãos para resolver. Sem
participação cívica nenhuma eleição pode ser legítima na sua plentitude. Seja
como for Marcelo, que sucede ao cinzento Cavaco em Belém, inicia agora uma das
maiores provas de fogo da sua vida política e pessoal. Talvez a maior. Daqui a
cinco anos saberemos se foi capaz.
*Crónica de 25 de janeiro, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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