Marcelo: a picareta falante do regime
Não é a primeira vez que aqui falo do atual
presidente da República e da forma irreverente e particular com que Marcelo
Rebelo de Sousa exerce a função. Contudo, há factos e factos. E, a verdade, é que
Marcelo tem extrapolado, em muito as funções presidenciais. O facto de querer
ser um Presidente ativo, um Presidente dos afetos, como ele próprio lhe chama,
não pode significar interferência em matérias que competem unicamente ao
Governo e que se enquadram no âmbito do poder legislativo. Serve isto para dizer que a lamentável cena do
passado fim de semana, transmitida em todas as televisões, em que vemos Marcelo
a servir de mediador numa conversa entre o diretor do Teatro da Cornucópia, em
Lisboa, e o ministro da Cultura, para evitar o fim desta companhia, é deveras
preocupante. O Presidente pode e deve fazer o que puder para
ajudar na resolução de problemas graves. Contudo, o que aqui se passou foi algo
surreal, algo que apenas compete ao Governo, algo que qualquer Presidente não
faria. Se Sampaio, Soares ou Cavaco tivessem feito o que Marcelo fez este
sábado, caía decerto o Carmo e a Trindade e não tardariam as acusações de
interferência de Belém nos assuntos da governação. Se uma companhia de teatro encerra portas, o
problema, a ser mediado, terá de o ser com o Governo e com a tutela em causa,
no caso o ministério da Cultura. Ao Presidente cabe a fiscalização política da
atividade legislativa dos outros órgãos de soberania. Ao Presidente não compete
legislar ou interferir em matérias de atuação do Governo, como é a Cultura. Marcelo é cada vez mais a picareta falante do
regime. Está em todo o lado e ao mesmo tempo. Não se cansa, é certo. E continua
por isso mesm líder imbatível nas sondagens de opinião. Resta saber até quando o frenesim decorrerá. É
fundamental que o Presidente esteja perto dos cidadãos e dos seus problemas,
mas quando se desvirtua a lei das esferas de responsabilidade, as consequências
não podem ser boas. António Costa sabe que precisa de manter com
Marcelo excelentes relações institucionais mas quando Belém se sobrepõe e anula
a ação governativa isso não é, de todo, bom sinal para o normal funcionamento
das instituições democráticas. A poucos dias da Consoada, desejo a todos os
ouvintes, colaboradores e profissionais da Antena Livre um Santo Natal. Que
seja uma noite de paz para todos.
Crónica de 19 de dezembro na Antena Livre, 89.7, Abrantes, OUVIR.
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