Louriceira: resistir é palavra de ordem
Pouco mais de um mês depois regressei a Mação, à minha
aldeia.
De Abrantes até à Louriceira, a povoação que em agosto viu o
fogo roubar-lhe a alma, são quilómetros curtos, mas que serpenteiam uma linha a
uma só cor: o cinzento, pois claro.
A paisagem, em estradas minúsculas, pinta-se já também de um
amarelo torrado, fazendo parecer outono, quase como que para enganar o olhar.
Ainda cheira a queimado. Há no ar um cheiro que se entranha
em nós, na nossa pele, nas camadas mais invisíveis de nós, e onde poucos
alcançam: a nossa alma.
Aqui e ali um salpico de verde, destoando no meio da
podridão que nos deixaram.
A reconstrução já mora por Mação, em aldeias e povoados que
tudo o lume levou.
As pessoas, as que lá vivem, da terra, da floresta, estão
ainda consumidas elas próprias pela tragédia. Mas seguem, firmes, sorridentes,
esperançadas num amanhã melhor do que hoje.
«Nunca pensámos que íamos escapar. O que nos aconteceu foi
um milagre. Agora tudo só pode melhorar», diz-me uma das habitantes da
Louriceira.
Se isto não é uma lição de vida a este país, não sei o que
seja então.
Entretanto, o país está em campanha eleitoral. Da reforma da
floresta nem uma palavra, por agora, já não importam as pessoas que continuam à
espera de uma ajuda, de uma palavra de conforto, de um input que obrigue muitos
a pedirem-lhe desculpa por não os terem protegido.
A aldeia da minha vida resistiu. Mal, mas lá está, a fazer
aquilo que muitos dos nossos decisores não têm e com algo que só a poucos
assiste: coragem. Coragem para fazer, coragem para assumir o erro, coragem para
perdoar.
* Crónica de 25 de setembro, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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