Pensamento Livre: o peso das urnas

Por muito que custe, facto é que, na União Europeia, política, crise dos refugiados, migrações e terrorismo são questões ligadas aos olhos de quem elege, ainda que com diferentes perspectivas, dependendo dos países e da dimensão com que estes fenómenos os afectam. Na Alemanha, as recentes eleições são prova vivida disso.

Texto: Nuno Melo 
Eurodeputado e representante do PPE na Comissão Especial sobre o Terrorismo

Foto: Yannis Kolesidis/EPA

Em 2015, Ângela Merkel abriu generosamente as portas do país a milhares de pessoas tratadas genericamente como refugiados, ainda que no conceito coubessem categorias muito diferentes; refugiados certamente, fugindo de  cenários de guerra que colocavam em risco as suas vidas, mas também migrantes à procura  de trabalho e até, muito residualmente, quem pretenderá destruir o nosso modo de vida e os valores de referência das sociedades ocidentais.

O esforço humanitário valeu-lhe elogios justificados um pouco por todo o mundo, vindos até de sectores situados à esquerda no firmamento partidário. 

Pouco depois, confrontada pelo “efeito chamada” que levou milhões a desejar acolhimento na Alemanha, foi forçada a fechar portas, criando o “efeito dominó” que de seguida ergueu, sucessivamente, muros noutros países. O tema foi levado ao topo do debate político e nas últimas eleições, as urnas deram a resposta exacta sobre aquilo que o povo pensa.

A CDU da chanceler Merkel obteve 39,9 % dos votos, no que constituiu um dos piores resultados da sua história e há dias foi forçada a aceitar um limite anual para o acolhimento de refugiados, imposto pelo CSU, parceiro bávaro da coligação.

O SPD de Martin Schulz alcançou 20,8%, pior resultado desde 1949. E os liberais voltaram ao Bundestag, onde pela primeira vez desde 1945 entrou a extrema-direita da AfD como terceiro partido mais votado, com 12,9% dos votos e quase 90 representantes entre os 631 parlamentares, a par da extrema-esquerda do Die Linke, com cerca de 9 % dos votos.

A realidade, ou pelo menos a percepção dela, mesmo que errada, é sempre mais forte do que quaisquer intenções, principalmente se forem mal compreendidas.


Nuno Melo


Na Alemanha, o custo de uma boa atitude foi terrível, ponderado que seja o nazismo que destruiu meio mundo durante a II Guerra Mundial.

A extrema-direita voltou ao poder legislativo em 2017, sendo que somada à extrema-esquerda, representam 22 % do parlamento alemão.

Mais do que criticar, convirá ter em conta as causas para o que sucedeu, com processos equivalentes em muitos outros países, onde o radicalismo ascende, validado por eleições.

A gestão deste tema ilustra com toda a certeza uma dessas causas.


Temos obrigação de acolher com humanismo todos quantos tentem escapar das atrocidades que o mundo enfrenta. Mas para que o consigamos fazer, com recursos necessariamente limitados, impõe-se rigor na entrada, que distinga o que tem ser distinguido. 

Uma coisa são refugiados, merecedores ao direito de asilo, outra coisa são migrantes à procura de trabalho, obrigatoriamente sujeitos às leis da imigração, que existem em quaisquer partes do planeta.

Impõem-se “hotspots” capazes de, à entrada, principalmente nas fronteiras mais pressionadas da Grécia e Itália, registarem cada caso e com a colaboração das forças de segurança e serviços secretos de todos os países, mostrarem eficácia na detecção dos infiltrados terroristas que todos os dias tentam aceder a uma UE, que só tem futuro em paz, se for também fortaleza.

Devemos assumir que a UE não precisa de qualquer pessoa. Só faz cá falta quem esteja disposto a integrar-se, a cumprir as nossas leis,  a respeitar os nossos modos de vida, a não atentar contra a nossa existência, a garantir que não nos sentiremos sequestrados e com medo dentro da nossa própria casa. Para estes, tudo. Aos outros, simplesmente nada.
E porque o terrorismo não se combate com romantismo, recordemos cada atentado e todas as vítimas no nosso espaço comum. 

Madrid, Londres, Toulouse, Bruxelas, Paris, Copenhaga, Paris, Bruxelas, Nice, Wurzburgo, Rouen, Berlim, Paris, Londres, Estocolmo, Manchester, Londres, Paris, Barcelona e Cambrils, por esta ordem, desde 2004.

Esta guerra, está longe de ter sido ganha. 

Agradecimento: Platonismo Político agradece a Nuno Melo ter aceite o convite para escrever sobre um tema que, infelizmente, passou a fazer parte das nossas vidas, e que representa, nos últimos anos, uma espada ensanguentada em cima das nossas cabeças, em constante estado de desequilíbrio, em permanente martírio. Obrigada uma vez mais.


Barcelona, vista a partir de Montjuïc, e palco, em agosto, de um atentado terrorista. Foto: Ana Clara

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