Pensamento Livre: Luís Osório e a loucura que nos aprisiona
No mundo das ideias e na história das cidades e da Política,
não evoluímos assim tanto do tempo em que Aristóteles, Sócrates e Platão nos
ofereceram as canas para que pudéssemos pescar.
Texto: Luís Osório
Escritor e Consultor
O ser humano continua, no seu eterno devir, a procurar
resposta para as perguntas essenciais, as de sempre, as que não têm como ser
respondidas. Uma pescadinha de rabo na boca, diria a minha avó, cada resposta
alcançada equivale a 10 novas perguntas que não existiam antes.
Nesta época volátil em que tudo parece ser ou estar a prazo
e ter um curto espaço de validade, continua a seduzir-me como antes “O
Incompreensível”.
Como explicar o que é inexplicável? Se todos sabemos as
regras, se todos conhecemos bem o preço a pagar por fazer notoriamente o que é
errado, porque insistimos nos logros?
Penso no entendimento entre partidos para alterar a lei do
financiamento, uma reunião à porta fechada, fora dos holofotes e à socapa, que
loucura. Porque o fizeram? Porventura não pensaram que tudo acabaria por se
descobrir? Não teria bastado um minuto de pensamento para concluírem que as
coisas tinham de ser feitas de outra maneira? Então porque o fizeram? O mesmo
diria dos governantes que ao longo da história começaram conflitos que
condenaram milhares de pessoas à morte, ao empobrecimento e à desgraça.
Temas naturalmente diferentes mas que na sua base partem de
idêntico princípio. Porque não travam certas pessoas os seus ímpetos destrutivos
sabendo que isso fará mergulhar o mundo numa lama que manchará para sempre o
futuro? Qual a razão para que tantos milhões tenham votado em Trump arriscando
com o seu voto trazer a espada, o caos e o futuro dos seus próprios filhos? E o
que dizer dos suspeitos de corrupção que foram eleitos para os mais altos
cargos públicos? Como explicar que tendo tanto quisessem mais e mais e mais?
Qual é a sua medida? Terão um limite? E como vivem com isso?
A Ana Clara, platónica e exigente jornalista, convidou-me
para escrever um texto para este espaço, agradeço-lhe a oportunidade de me
poder juntar a este projeto de resistência jornalística, um espaço de liberdade
e de pensamento sobre a atualidade e a política. E peço antecipadamente
desculpa por só me ocorrer falar da loucura que nos impede de fazer o que é
correto, que nos aprisiona a mentiras, cinismo e ganância.
Acredito que nos próximos 20 anos acontecerá uma revolução
que colocará em causa os partidos e o exercício da Política tal como a
conhecemos.
Mas infelizmente não sou otimista. O fim dos partidos (como
os conhecemos) oferecerá a possibilidade de nascerem “igrejas” que venderão uma
superioridade moral que é uma semente do demónio. O mal, quando verdadeiramente
nos queima em lume brando, vem sempre mascarado de bem. Uma cara de anjo que
será infinitamente pior do que os crápulas e figuras de banda desenhada que nos
entram em casa todos os dias.
Agradecimento: Este texto é-me caro. Primeiro, pelo seu autor, a quem devo
muito do que sou enquanto jornalista e ser humano. Em segundo lugar, porque sou sua
amiga e suspeita maior para falar do Luís de forma imparcial. Conhecemo-nos em
2004, em A Capital. Eu era uma jovem estagiária e o Luís dirigia, à época, o
jornal. Com ele aprendi a ousar, a enfrentar fantasmas, a encarar o destino que
já estava escrito e a arriscar mais do que devia. Dos temores, lembro-me que os
perdi todos com ele, tantas e tantas vezes discordando do que me pedia para
fazer. Ripostando, contra-argumentando. Era, como me disse um dia um professor
na Faculdade, uma «serigaita» com muito «pêlo na venta». Tempos de ouro que já
não regressam mas que me toldam o caminho em cada passo que ainda hoje dou.
Tornou-se num escritor brilhante que hoje me embala nas noites mais negras. O
Luís é simplesmente um ser humano excecional – digo-o sem rasgos de bajulação,
porque nunca ele precisou dos meus elogios nem eu tive necessidade de frases
fáceis. E tê-lo nesta secção do Platonismo, que celebra 12 anos de
«resistência», como dizes, era não só uma meta como uma questão de tempo. Se há
pessoa que tinha de cá estar, eras tu. Chegaste no início de 2018 e, Luís,
encerras a esperança de um novo ano que, espero, se cubra de brilho. Obrigada
por tudo isto e pelo resto que nos pertence.
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