Pensamento Livre: o Interior Português


O Governo colocou no seu programa a aposta no interior e criou no organigrama um lugar a ele dedicado. Contudo, o resultado, se chegou a ser algum, foi pouco mais que nulo.

Texto: José Alves Jana | Doutorado em Filosofia, Docente aposentado (ESTA e Escola Manuel Fernandes, em Abrantes)

Os incêndios de 2017, com mortes e sem mortes, vieram revelar a importância da aposta e a urgência de resultados, agora com a sombra protetora do Presidente. Podemos esperar que seja desta?

Não. Porque a inversão do estado de coisas no interior do país não é da ordem da aposta do Governo ou de um conjunto de medidas que vão dar a volta à coisa.

Antes de mais, é importante dizer que há muito boa gente que defende que ou se desenvolve o país ou se cuida do interior, não há recursos suficientes para ambos. E pode ver-se que essa tese está a dar efeitos: o país tem vindo a sentir-se melhor, o interior é que não, e as medidas em desfavor do interior têm-se multiplicado.

Por outro lado, a doença endémica de que o país sofre tem o receituário estabelecido: aposta nas exportações e investimento nas inteligências de ponta. Nada disso passa pelo interior.

Pode, aqui ou ali, deixar algumas pegadas, por exemplo em concelhos cuja inteligência estratégica seja mais eficaz, mas não dá para alterar a paisagem global. O interior fica sobretudo votado aos produtos de identidade local.

Sim, o turismo é uma das portas de saída e o interior tem muitas potencialidades que, bem exploradas, abrem para um futuro diferente. A expressão “bem exploradas” diz duas coisas: que vão ser exceção e que esperam a iniciativa vinda dos centros de poder, e de inteligência, não do interior fragilizado em recursos humanos. A inteligência não se distribui de forma uniforme.




Também o interior não tem feito o seu trabalho da melhor maneira. Uma das formas de confirmá-lo é ver como processo de desertificação tanto demográfica como económica se vem acentuando. É geral o diagnóstico: a desertificação é o principal problema. Mas é pequeno o investimento na procura de perguntas e respostas sobre o que pode e deve ser feito para haver bons resultados. Parece que cada um já sabe, mesmo sem resultados. Passadas décadas de investimento, décadas em que “tudo” mudou para melhor… o resultado global está pior. E não se ouve perguntar porquê, menos ainda responder como. Continua a dominar um modelo de desenvolvimento à espera de empresas que venham “cá” fixar-se. Como não vêm…

A nível central, as “boas” medidas que resolvem ou minoram os problemas do país são todas contra o desenvolvimento do interior. Bem, “todas” talvez seja exagero: sugiro então que se avalie cada uma delas à luz deste dispositivo de análise – favorece ou contraria o interior? Na grande maioria parte das vezes, essa questão nem esteve presente na decisão. Basta olhar para as medidas que, nos últimos anos, têm sido tomadas em quase todos os setores da vida coletiva.

A desertificação e o empobrecimento do interior nem sequer é um problema, é antes o modo de funcionar, o modo de ser, do país. Está-lhe na massa das decisões, no funcionamento do sistema global.

Mas isso pode mudar? Poderia… se houvesse uma força social capaz de torcer o país de modo a ele funcionar segundo uma matriz diferente. Vislumbra-se, mesmo ao longe, uma tal força?

Não é uma condenação, o Destino, uma matriz genética. Mas o desenvolvimento também não resulta de um ato de vontade piedosa, nem sequer de “muito trabalho”. Resulta, sim, de inteligência estratégica fundada em conhecimento validado. Olho à volta, à procura de centros de conhecimento e de inteligência articulados com os agentes no terreno sobre um tal possível desenvolvimento e… Continuo a pensar que não se vislumbram razões com força capaz de alterar a paisagem.

O país é melhor com um interior desenvolvido? Talvez seja uma questão que interessa apenas às pessoas do interior. Que são poucas, de menor escolaridade e maior idade. Há a hipótese de um milagre, mas como o ano do centenário de Fátima já passou… Talvez fosse melhor deixarmos de falar, como se estivesse para chegar, daquele que não virá. D. Sebastião.

Agradecimento: Alves Jana não é apenas um homem com uma visão de futuro. É alguém que conhece, como ninguém, a realidade do país Interior. Respeitado em vários meios académicos, sociais e culturais, tem deixado marcas indeléveis em Abrantes, cidade que lhe é querida e que não seria a mesma sem ele. Foi muito mais que meu professor, foi pai, amigo, companheiro, num período da minha vida em que me questionava permanentemente – mais do que hoje, sem dúvida. Ajudou-me, decisivamente, a encontrar raios no caminho, fez-me perguntar-me a mim própria quem eu era, para onde queria ir. Ensinou-me que somos nós os donos do nosso próprio destino e que, muitas vezes, complicamos mais do que simplificamos. Obrigada, professor, obrigada sempre, querido professor. É um privilégio poder contar com o seu rasgo no Platonismo. Como dizia o outro, encontramo-nos por aí. 

Alves Jana

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