Não é com ameaças que se gere a floresta



Para que serve um Estado se em vez de ajudar os seus cidadãos, prefere ameaça-los?

Para que serve uma Autoridade Tributária, se em vez de colocar equipas no terreno, prefere usar um sistema informático que descarrega emails automáticos para os seus contribuintes de forma cega?

Para nada. Na realidade, um Estado, um Governo, um regime, sejam eles quais forem, em democracia, não servem para nada se se desresponsabilizarem do seu papel ante os seus cidadãos, verdeiros bancos que subsidiam o sistema com os seus impostos.

Serve tudo isto para lamentar a forma como o Governo gere a alegada grande estratégia de prevenção de incêndios este ano.

Bem sei que os incêndios de 2017 em Portugal provaram-nos que somos todos negligentes.

Porém, em algumas situações, de catástrofe e drama, considero sempre que a pedagogia e a prevenção são mais benéficas do que opções de ameaça.

A Autoridade Tributária, na linha estratégica das decisões do atual Governo, emitiu nas últimas semanas um email, que presumo terá chegado às contas de todos os contribuintes - à minha chegou  - avisando de que os portugueses/proprietários têm até 15 de março para limpar o mato e cortar árvores nas proximidades de casas e aldeias, podendo vir a ser multados se não o fizerem.

Em colaboração com o Ministério da Administração Interna e o Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, o Fisco está a ser cego. O email é dirigido a todos, mesmo os que não detêm terrenos confinantes a edifícios inseridos em espaços rurais.

Bem sei que o sistema é automático, bem sei que é assim mesmo, mas sei também que a pedagogia não pode ser cega e muito menos mecanizada. Até porque muitos dos propietários nem sequer têm assim tanta facilidade em aceder à internet, outros mesmo nem email terão.

Na comunicação, o Fisco afirma que até 15 de março «é obrigatório» limpar o mato e cortar as árvores e explica como.

A ameaça vem a seguir na mesma nota: «Se não o fizer até 15 de março, pode ser sujeito a processo de contraordenação. As coimas podem variar entre 140 a cinco mil euros, no caso de pessoa singular, e de 1.500 a 60 mil euros, no caso de pessoas coletivas. E este ano são a dobrar».

Ora um Estado cego e que prefere ameaçar em vez de agir, sabemos todos onde pretende chegar.

Não só por esta, mas também por muitas outras razões, não me espantaria que as catástrofes se voltem a repetir no futuro.

E já agora, não é com ameaças que se gere a floresta!

*Crónica de 5 de março de 2018, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.

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