Justiça portuguesa: um caminho de tormentas



Um padrasto agride violentamente um bebé de ano e meio e nem sequer é ouvido por um juiz. Fica em liberdade.

Uma mulher inconsciente é violada por dois homens, numa discoteca em Gaia, e o Tribunal da Relação do Porto considera que o acto não é de gravidade elevada. Ficaram em liberdade.

Gangs na linha de Cascais, em Lisboa, humilham as forças de segurança e continuam por aí, em liberdade, preparando o próximo distúrbio.

Começo esta crónica com estes três casos porque são os mais recentes, para perguntar: isto é comparável à gravidade de Joana Marques Vidal ter sido substituída aos comandos do Ministério Público por Lucília Gago?

Não é. Mas serve para dizer que o sistema político, a rede de papagaios da comunicação social e toda a magistratura devem estar realmente preocupados em fazer o seu trabalho. Porém, o que importa, no domínio noticioso, é apenas e só as intenções políticas do nome que se sentará na cadeira da Procuradoria Geral da República.

O sistema judiciário só pode ser digno da defesa dos que são violentados se souber, com coragem, enfrentar os criminosos, sejam eles quem forem, de forma séria e honesta.

Joana Marques Vidal deixa uma herança importante à frente do Ministério Público. Liderou uma fase fulcral, em que se investigou até onde se podia, se provou que muitos influentes neste país, da banca à política, do desporto ao mundo empresarial, não podem tudo e o País ficou a sabê-lo.

Mas a PGR deve também olhar para a forma como todos os intervenientes na Justiça se comprometem com a verdade e lutam por ela. Porque a corrupção é apenas um dos lados podres da maçã. Há muitos mais, que diariamente colocam os cidadãos vulneráveis, com sentimentos de impunidade e injustiça.

Não temo a mudança de titular do cargo maior do Ministério Público. Acredito que há uma coragem que veio para ficar. Tenho apenas medo que a restante floresta fique como tem estado há décadas: com um sentimento de impunidade que esventra as suas vidas. As vidas de quem sofre na pele diariamente crimes cujos seus autores saem impunes e continuam por aí a exercer a liberdade que não merecem.

*Crónica desta segunda-feira, 24 de setembro, na Antena Livre, 89.7 Abrantes. OUVIR

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