À descoberta de...Alcoutim: nas margens do Guadiana há um «outro Algarve» para descobrir

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Texto e Fotos: Ana Clara
A paisagem povoa-se de oliveiras e azinheiras. Aconchegado nesta vegetação meridional corre o Guadiana, uma fronteira natural entre Portugal e Espanha. Um rio que, outrora, viu muitos algarvios perecer, vítimas do contrabando. Em Alcoutim, os dias correm plácidos. A ruralidade é um «orgulho natural e assumido», que convida o turista a apreciar o território e a saborear o melhor da gastronomia raiana. Aqui imperam os pratos do rio, os cozidos e as migas. Esta é uma viagem ao outro Algarve, «o natural», como por aqui lhe chamam.  

São dez da manhã, chegamos a Alcoutim e a tranquilidade povoa a vila raiana. Uma calma apenas interrompida pelo chilrear das aves que sobrevoam as margens do Guadiana. Aqui e ali avista-se gente, a maioria nascida e criada na povoação. «O envelhecimento é um dos nossos maiores dramas» num concelho que contabiliza três mil habitantes, conta o presidente da Câmara, Osvaldo Gonçalves. 
Prosseguimos caminho, percorrendo ruas estreitas e íngremes, desembocando nas escadinhas da travessa das Portas do Rio. É aqui que se abrem as muralhas do castelo da vila. Miradouro onde temos uma vista soberba sobre o rio e a povoação vizinha de Saluncar de Guadiana, na outra margem do curso de água. Uma atração local que recorda séculos de protecção da fronteira, controlo do tráfego fluvial e o relacionamento ibérico entre Portugal e Espanha. 
No tempo da Guerra Civil de Espanha (1936-1939) e no início da segunda metade do século XX, em Alcoutim, os contrabandistas eram, juntamente com os refugiados da Guerra, os principais alvos a abater
«São cinco mil anos de história para contar», conta o edil, lembrando que há registos desse tempo no concelho, com antas e menires que «testemunham o passado da vila desde o Neolítico». 
Descendo à zona ribeirinha encontramos estórias de outros tempos em forma de homenagem. Vidas que lutavam pela sobrevivência, hoje recordadas na estátua dedicada ao Guarda Fiscal, erguida no Miradouro do Quiosque. 
«Alcoutim era sede de seção e aqui havia um posto central», recorda Osvaldo Gonçalves, sendo que ao longo do rio ainda é possível ver outros postos de controlo, muitos degradados.  
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No tempo da Guerra Civil de Espanha (1936-1939) e no início da segunda metade do século XX, em Alcoutim, os contrabandistas eram, juntamente com os refugiados da Guerra, os principais alvos a abater. 
Em honra deste passado bem vivo na região, ergue-se, no Cais Velho, outra estátua. Recorda os contrabandistas, evocando aqueles que na vila raiana se dedicaram à atividade ilegal como forma de combater as dificuldades económicas da época. Contrabando este que se fazia por toda a margem do rio, onde terminavam os caminhos dos almocreves serranos espalhados por várias aldeias e montes. Cereais, café, figos e gado eram os produtos pela qual se arriscava a vida. 
O pescador é também celebrado na vila com uma estátua em sua homenagem, na capela de Santo António, e que «honra a atividade que, durante séculos, deu o sustento à população», lembra o autarca. 
Aventura radical entre Espanha e Portugal 
O turismo tem sido, nos últimos anos, uma aposta do município para mostrar ao país e ao Mundo «os encantos deste Algarve natural». E para quem chega a Alcoutim pela primeira vez, ofertas não faltam.
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Uma delas é oferecida pela empresa «Limite Zero» e que une há mais de um ano Portugal e Espanha literalmente por um cabo de aço. 
Todos os que quiserem aventurar-se podem usufruir do primeiro slide transfronteiriço a nascer entre o Algarve e a Andaluzia. Um desporto que chegou à localidade pela mão do inglês David Jarman, que aqui se radicou em 2007. 
Abriu a empresa no verão de 2013 e hoje «é um sucesso para os que visitam a região e para muitos algarvios», conta David. Para descansar os menos corajosos diz que «é um momento fantástico, único, e que permite apreciar a beleza da paisagem e do rio de uma perspetiva diferente». Todos podem aventurar-se, basta terem mais de 25 quilos (até um máximo de 110) e 14 anos de idade. 
Os percursos pedestres e de BTT são outras opções para os menos radicais, sendo que, por todo o concelho, há dezenas deles, à beira do Guadiana ou pelo interior do território. Há ainda os tradicionais passeios no rio, promovidos pela «Fun River», empresa de animação turística local. Há vários percursos possíveis (até ao Pomarão, Mértola, Vila Real de Santo António e Ribeira de Odeleite). 
Para o autarca de Alcoutim não há dúvidas sobre a identidade do território, «rural, de baixa densidade». 
«É certo que temos muitas dificuldades e tentamos inverter as tendências negras no que respeita à desertificação. Mas é precisamente este problema que tentamos combater. O facto de o território ser rural não pode ser uma dificuldade. Pelo contrário, devemos assumir-nos como um território rural. Quero promover o concelho dentro daquilo que é a ruralidade própria do território. E, acima de tudo, devemos olhar para as pessoas e não para os números», afiança Osvaldo Gonçalves.  
Gastronomia 
Num território rural como Alcoutim, a gastronomia «pode e deve ser um fator de atratividade», afiança o autarca. E para quem visita a região boa mesa é o que não falta, com opções de sabores do rio ou serranos. 
Pratos de caça (à base de coelho, lebres, perdiz e javali) passando pelas migas, as sopas de pão, a galinha de cabidela ou os cozidos de grão, e terminando nos sabores do rio com as enguias fritas, as caldeiradas ou a lampreia, opções não faltam aos turistas.
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 «Temos o saber-fazer, mantemos as receitas e recebemos bem. Precisamos apenas que nos visitem, que venham conhecer-nos. Porque este é o outro Algarve que muitos ainda não conhecem, e a tal prova de que há muito mais por descobrir do que sol e praia»», realça Osvaldo Gonçalves. 
Na hora de deixarmos Alcoutim, o calor de um outono atípico persiste, a paisagem continua a tentar convencer-nos a não partir e, do outro lado do Guadiana, avistam-se turistas a desembarcar em Saluncar que nos acenam, numa espécie de adeus prolongado e ao que não se quer retribuir.


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