Crime e moralismo social: duas faces de uma moeda podre
Na semana passada, uma mãe deitou o seu filho recém-nascido
num caixote de lixo, em Lisboa.
O país comoveu-se. Outra coisa não podia ser. É uma história
demasiado comovente e triste para não nos tocar. Mas é também uma história
dura.
A história de uma mulher que cometeu um acto monstruoso.
Imaginar um bebé naquela circunstância é hediondo. Recriminável. Impensável.
Contudo, à boa moda das redes sociais, que todos nós
ajudámos a construir e moldámos à nossa maneira, cedo se levantaram armas e
balas diretas a uma mulher que cometeu tamanho crime.
Temos apenas o direito de pedir justiça e essa, seguramente, será feita. Quanto ao resto, era bom que enfiássemos a nossa vergonha numa sacola e olhássemos para o reflexo do nosso espelho
Sim, cometeu um crime. E pagará por ele. Porém, faço aqui,
nesta antena, uma espécie de teste. Quantos de nós conhecemos esta mulher?
Quantos de nós sabe o que é ser sem-abrigo? Quantos de nós conhece a dura
realidade de se estar sozinha, grávida, sem fé nem esperança, e nem coragem
para pedir ajuda se tem?
Nada desculpa o acto desta mulher. Concordo. Mas nada pode
também desculpar uma sociedade que não hesita em apontar o dedo a alguém sem
pedir licença. Fácil é condenar. Difícil, muito difícil mesmo, é tentar
compreender as razões por detrás do crime.
Não temos esse direito. Temos apenas o direito de pedir
justiça e essa, seguramente, será feita. Quanto ao resto, era bom que
enfiássemos a nossa vergonha numa sacola e olhássemos para o reflexo do nosso
espelho.
E quem somos nós, sociedade hipócrita, para atirar a
primeira pedra? Não somos ninguém. E nesta fábrica de ilusões em que se
transformaram as redes sociais, somos tão miseráveis como aqueles que tantas
vezes matamos na fogueira da crueldade social.
*Crónica de 11 de novembro, na Antena Livre, 89.7, Abrantes. OUVIR.
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