À descoberta do Pulo do Lobo

O Pulo do Lobo é “onde o rio ferve entre paredes duríssimas, rugem as águas, espadanam, batem, refluem e vão roendo, um milímetro por século, por milénio, um nada na eternidade”.

José Saramago

Texto e Imagens: Ana Clara

A viagem até ao chamado "fim do Alentejo" é longa, demorada. No verão, mesmo no final de uma tarde quente de julho, parece-nos interminável o caminho. Mas quando começamos a descer, percebemos porque nos dizem que é um dos locais mais recônditos do Alentejo. Aqui, o Guadiana precipita-se numa cascata de 16 metros. No inverno, parece ser mais assustador. Decidimos visitá-lo em pleno verão e, em ano de pandemia, foi a melhor decisão. Éramos os únicos no vale do Pulo do Lobo. Ao mesmo tempo, aquela sensação de liberdade e de que tudo vai (mesmo) ficar bem, abraçava os nossos espíritos, mesmo que por breves instantes. É assim que aqui nos sentimos!

O Pulo do Lobo situa-se no Parque Natural do Vale do Guadiana, nos concelhos de Serpa e Mértola.

Para lá chegar não é fácil. E para ser eficaz, convém respeitar todas as indicações que são dadas ao longo da viagem. Quando se chega à porta da herdade, somos nós que temos a responsabilidade de abrir e fechar o portão. Um grande cartaz diz-nos que estamos a entrar em propriedade privada para aceder ao local. 
Daqui até lá abaixo ainda são uns bons 3 quilómetros, já em terra batida e caminhos apertados. A uns 800 metros é preciso abandonar o carro, já que as linhas sinuosas do asfalto não permitem arriscar. Lá em baixo, à medida que descemos, começamos a observar, lá longe, o leito do rio que se aperta entre as rochas tão próximas que até um lobo conseguiria saltar de uma margem para a outra. É daí que nasceu o nome Pulo do Lobo.

Descemos devagar. Não temos pressa. Mal sabíamos que a subida iria ser bem puxada. Ali, onde terminam as profundezas do Alentejo, que Cavaco Silva um dia quis conhecer (levando consigo jornalistas e comitiva numa ação de campanha eleitoral), estamos perante a maior queda de água do sul do país. 

Aqui o rio Guadiana é fortemente erosivo e ganha um vigor raramente adquirido, iniciando a escavação do seu leito primitivo e formando uma garganta escarpada de 20 metros de altura. Após se precipitar de cerca de 16 metros de altura sobre o pego do Sável, o rio avança em busca da foz. Por cima deste vale ativo, é visível um vale superior mais antigo, registo de épocas passadas em que o rio corria mais alto.

O desnível do Pulo do Lobo formou-se durante a regressão marinha, que ocorreu na última glaciação – fase glaciar Wurm. Desde então o rio procura desenfreadamente estabilizar o seu leito. Nesta procura vai formando as marmitas de gigante, cavidades circulares na rocha causadas pelo movimento em turbilhão dos seixos e que são dos aspetos geológicos mais curiosos que se podem observar no Vale do Guadiana.

Contam-nos que o Pulo do Lobo constitui um obstáculo natural à progressão para montante dos peixes que passam a maior parte do seu ciclo de vida no mar e que sobem os rios para desovar. Assim, no pego do Sável, para além desta espécie cada vez mais rara, é ainda possível encontrar a lampreia.

Seja como for, e apesar de ficar nos confins do mundo, como se diz, vale a pena uma visita ao Pulo do Lobo, provavelmente um dos locais de rara beleza mais agrestes do país.

Se não conhecem, não deixem de ir. E se precisarem de dicas, enviem-nos um email.

Nota: Aconselhamos visitas entre a primavera e o final do verão, pelas condições meteorológica permitirem apreciar mais a paisagem e a viagem.


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