Filha de abril me confesso

"Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo"

Sophia de Mello Breyner Andresen, in 'O Nome das Coisas' 

Quando naquela madrugada de 25 de abril de 1974, Portugal se despedia do regime ditatorial que governou o país durante 40 anos, eu ainda não tinha nascido. Só viria a ver a luz do dia, em terras do Interior esquecido, nos primórdios da década de 80.

O mesmo Interior que hoje, por incrível que pareça, permanece esquecido ainda em tantas coisas pelos gabinetes de Lisboa.

Inevitavelmente, a forma como olho para o Portugal democrático é diferente daqueles que o sentiram, viveram e presenciaram. Sou filha da Liberdade, foi nela que cresci e é nela que vivo. Não conheço outro modo de viver e ser portuguesa. Ser livre em direitos e deveres. Ser livre nas opções individuais, na forma e conteúdo que escolhi. Ter ideias e pensamentos moldados pelas influências que, livremente, decidi serem os mais aproximados do meu caráter. Isto é comemorar abril, sem pretensões de esquerda ou de direita, sem sombras de radicalismos. Apenas eu. Portuguesa. Livre. Eu. 

Mas a Liberdade de abril tem custos. O preço de defender quem somos, de onde partimos, para onde vamos, tantas e tantas vezes sós, isoladamente, distante do rumo mais unânime que nos rodeia. No ano em que comemoramos estes 47 anos de Liberdade, estamos reféns, privados do nosso bem-estar, das lutas, no fundo, dos valores que a Revolução exaltou. Se quiserem, da tal Liberdade conquistada, e que tantos jovens como eu, gerações do pós-Estado Novo, nunca entenderam realmente o que significa. Para sentir o verdadeiro sabor da Liberdade, acredito, precisamos de lutar por ela, de lhe sentir o sabor, o suor e a lágrima. Só assim seremos donos do nosso destino, num país que merece mais do que um simples sopro financeiro permanente.

Por tudo isto, que inveja tenho eu de não ser filha de abril. Mas ganhei o legado, o ensinamento e as estórias de muitos homens e mulheres que marcaram esse tempo em que Portugal virava uma página negra da sua História. 

Que a minha geração e as que me seguirão saibam honrar as lutas passadas, é que…não há maior legado que a busca permanente da Liberdade genuína de ser Português! Por tudo isto, também eu, filha de abril me confesso. Porque somos mais do que aquilo que julgamos ser. Somos o que sentimos. E sem alma não há esta coisa tão nossa de ser português. Bom 25 de abril a todos! 

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