Jorge Coelho: ode a um político singular

Foto: Pedro Granadeiro/Global Imagens.

"Quem se meter com o PS, leva!". A frase, conhecida de um país, usada como arma de arremesso para os adversários políticos, é a única (e perfeita) que me ocorre para começar um texto que esperamos sempre nunca vir a escrever. E é perfeita porque ela representa, na sua plenitude, a força de quem, como Jorge Coelho, se entregou à vida.

Com a força combativa com que foi proferida, ela simboliza o melhor do político: vigor, firmeza ideológica e política, sentido concreto de estar nas vidas política e pública que escolheu.

Da vida do homem, do ex-ministro, do militante socialista, do empresário, não me vou deter. Todos vós a conhecem. O seu percurso fala por si, numa forma muito própria e, no caso de Jorge Coelho, de fazer política. 

A mim diz-me muito, porque há muitos anos que o gosto que tenho pela ciência política, pela história dos partidos, dos líderes partidários, me levou sempre a ter também os meus preferidos. Sou cidadã, sou mulher, sou portuguesa. Tenho esta paixão de vida e, a juntar a isso, a sorte de ser jornalista e de ter tido o privilégio de privar e conhecer muitos políticos que estiveram no centro de muitas ações e acontecimentos marcantes deste país.

Nascida no início da década de 80, remontam aos anos 90 as minhas memórias mais longínquos de todos eles, Jorge Coelho inclusive. Ganhei-lhe o tal gosto no tempo em que ainda se fazia política, como costumo dizer, à moda antiga, em que o dom da oratória era a força motriz das massas, da política e dos governos que alternam no poder entre si. 

E quando comecei nas lides do jornalismo, tive ainda a sorte de poder trabalhar com uma geração de políticos da minha 'velha guarda'. Jorge Coelho marcou, por isso mas não só, a minha história profissional, a minha vida jornalística e contribuiu, e muito, para compreender melhor a história contemporânea política deste país.

Nesses anos de primavera milenar - 2003, 2004, 2005 e 2006 - muitas teclas bateram ao som dos seus discursos, nos púlpitos do Largo do Rato, nos comícios que haviam de conduzir José Sócrates a secretário-geral do PS (e mais tarde a primeiro-ministro) ou simplesmente a falar da atualidade política que decorria ao sabor do 'socratismo'. Foi dele um dos melhores conselhos que havia de ter no jornalismo político, à chegada a um hotel no centro de Lisboa, às dez da noite, com chuva miudinha irritante e à saída de um táxi a cair de velhinho. Estávamos na corrida ao poder no Largo do Rato. Eram candidatos José Sócrates, Manuel Alegre e João Soares (foi das campanhas internas mais engraçadas que fiz no PS, diga-se!). Jorge Coelho estava à porta do hotel, com aquele ar descontraído, sorriso aberto, bem disposto, como era seu hábito, e diz-me qualquer coisa como isto: "nem imagina a fera que vai encontrar, aquela manchete foi engraçada, eu gostei muito, anima isto tudo e o que será da vida de um político sem jornalismo que o renove?". 

Passaram-se anos, nunca mais me cruzei com Jorge Coelho, mas nunca deixei de lhe seguir o rumo. É, para mim, um dos grandes políticos portugueses dos últimos 30 anos. Marcou decisivamente o seu partido, o seu país e aqueles que com ele privaram. Foi - e é - uma das figuras mais fortes da política portuguesa. Tinha mestria inata e um sentido apurado de oratória. Foi um homem do sistema, mas nunca se serviu dele para proveito próprio. E esta é, para mim, a maior qualidade de um político: a sua ética republicana. Jorge Coelho tinha-a de sobra. E apesar de discordar dele tantas vezes, há um sentido de perda quando sabemos que parte um homem que nos ajudava a pensar e a compreender melhor o nosso país. Homem da província (no sentido literal da expressão, com o maior dos simbolismos que isso tem para nós, provincianos com orgulho da cabeça aos pés), como eu, perde a vida de forma trágica e inesperada, num momento difícil para Portugal. Todos os que hoje ouvi foram unânimes num ponto: a amizade. Não duvido por um segundo, porque era preciso muito pouco para se perceber que era um homem bom. Fará muita falta. A muitos de nós, portugueses. A mim fará. Eu, sem quaisquer hesitações, digo presente a essa saudade que já tenho: da sua voz grossa, das suas gargalhadas, da forma como olhava o país e o mundo, simplesmente do sentido de humor com que vivia por cá. Onde quer que agora esteja, que seja sereno o descanso, porque rareiam cada vez mais homens que andam por bem nesta coisa a que chamamos por cá política. R.I.P.

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