Autárquicas 2021: uma espécie de noite à moda antiga

Quase 24 horas depois, pouco mais há a dizer. Já tudo foi dito e escrito. Apesar de me ter deitado às três da manhã (para uma segunda-feira nada mau), numa das noites eleitorais que me fez ter saudade dos tempos em que andei nas lides partidárias.


Adiante. O País autárquico está escolhido para quatro anos. E houve, como todos sabem, muitas mudanças em muitas autarquias importantes. Não vale a pena falar porque já está tudo escrito. Santana Lopes, Fernando Ruas e Isaltino Morais são três exemplos disso. Verdadeiros dinossauros nos concelhos onde se candidataram, são o que resta de uma geração política que agora se mistura com a mais nova. Legitimados, seguem caminho num rumo que acena cada vez mais para o fim. Se aguentarem o mandato (e eu não tenho dúvidas), serão mais uma vez os campeões da Figueira, de Oeiras e Viseu. Mas também nos ensinam muito de como não se faz para ganhar má reputação. Todos eles, em circunstâncias diferentes, a têm. Mas o povo é soberano. E o povo escolheu. 

Mas neste post de rescaldo, quero falar dos políticos que marcaram a noite de ontem.

A começar por Jerónimo de Sousa. Foi um verdadeiro senhor, na forma como assumiu a derrota nestas eleições. O PCP tem de fazer uma séria reflexão interna. E não é de agora. Há quatro anos já deviam ter soado os alarmes. A perda de implantação local é clara. E a deriva continua à vista. O rosto do líder do PCP ontem resume bem o estado a que o comunismo chegou em Portugal. E é pena, porque se há partido com voz, junto das populações, e senhor e cumpridor da palavra, é o partido de Jerónimo. Foi digno na forma como assumiu os péssimos resultados, isto ainda antes de saber que iria perder bastiões importantes como Loures e Almada para o PS.

Fernando Medina. O grande derrotado da noite. É um facto. Mas a reviravolta de Lisboa não é, ao contrário do que muitos pensam, uma surpresa. Quem cá mora, viu o que (não) se fez nestes quatro anos. Uma cidade refém do Turismo, que não foi capaz de se reinventar. Uma cidade com um problema (de habitação) social gravíssimo e cujas promessas de Medina foram todas para o espaço. O antigo presidente esqueceu, nos últimos anos, o mais importante: as pessoas. E demitiu-se na maioria das vezes da opção diálogo com muitas áreas importantes na cidade. E isso paga-se muito caro. Junte-se a isso a política de mobilidade (a ideia foi boa mas a execução foi péssima, com constrangimentos diários para quem vive e trabalha na cidade) aos casos mais graves na CML, como o ' Rússia gate', e temos aí uma pequena explicação do que aconteceu ontem a Fernando Medina. António Costa leva um balde de água fria e muita desilusão à mistura, mas também sabe que esta derrota reforça-lhe alguma paz interna no futuro do partido.

António Costa. Não há muito a dizer. O PS foi o partido mais votado. E isso tem de ser lembrado. Mas ele também é responsável por este resultado na capital. A começar e a acabar na campanha miserável que fez com argumentos governativos e, para mim, impensáveis. Já o sabemos. Não me vou repetir. O primeiro-ministro perdeu uma grande oportunidade de capitalizar a boa gestão que fez da pandemia. Porque a fez. Usá-la como arma de arremesso político, enquanto chefe do Executivo, não agradou a muitos portugueses e a muitos lisboetas. Isso para mim ficou claro. Eu, no que me toca, não gostei. Fosse ele ou outro primeiro-ministro. 

Rui Rio. Precisava deste "excelente resultado", como ele próprio lhe chamou, para sair do marasmo em que a sua liderança no PSD caiu. Capitalizou bem as autárquicas e fez as escolhas certas para isso. Lisboa à cabeça, mas de Coimbra ao Funchal, passando por Viseu e tantas câmaras na Beira Interior e em Trás-os-Montes, a coisa correu-lhe francamente bem. E, ao contrário de outros, soube saborear este resultado com muita serenidade, sem entrar em demagogias nem histeria, sem nunca dizer (até porque não seria verdade) que o PSD foi o grande vencedor da noite. 

Chicao foi com toda a demagogia esperada. Ancorado nas coligações com Rio, safou-se de uma tareia local, e adia por algum tempo, a já mais que certa disputa interna. É bom que reflita, tal como o PCP do lado oposto, sobre o desaparecimento a 'solo' do seu partido a nível nacional. A Iniciativa Liberal e o Chega têm feito bem esse trabalho na área de influência centrista. Continuo a achar que o seu tempo está a chegar ao fim. Resta saber se isso reflete também o fim de um partido histórico no espectro político português.

Carlos Moedas. Não é um político profissional. Mas é um político com experiência empresarial e a nível europeu. Ser Comissário em Bruxelas deu-lhe visão de mundo, que promete trazer para Lisboa. Tem no currículo a mancha da Troika e dos tempos dos governos sombrios de Pedro Passos Coelho. Mas é um homem sem 'rabos de palha' conhecidos. E tem o capital de parecer um homem sério. Pelo menos parece. E o parece, nesta coisas do cansaço com Medina, vale muito. Fez uma campanha que, a meu ver, foi fraca. Esperava mais de si. Mas vencer Lisboa foi, até ao momento, a sua grande vitória política. Tem quatro anos para provar que saberá construir pontes. Com todos, como afiança. O povo de Lisboa cá estará para lhe cobrar as promessas (muito, muito débeis) que fez. Que lhe corra bem é o que lhe desejo. Se correr, correrá também para mim, que cá moro, e para todos os lisboetas que querem continuar a ser felizes numa cidade que é luz e vida. 

Abstenção e sondagens. Uma palavra final para a maior vergonha. Que já é um clássico. Quase metade da população não foi votar. Envergonha-me e deixa-me revoltada com este País. Deixar aos outros a missão de escolher por nós, diz muito da forma como olhamos para a construção de uma Nação. Posso até compreender a desilusão e a fraca qualidade da classe política à escolha. Mas isso não pode prevalecer sobre a hora em que somos todos chamados a ter opinião sobre as nossas vidas. Quanto às sondagens, foi muito grave o que aconteceu nestas eleições. E esta é uma realidade que não é de agora. Ou há de uma vez por todas uma investigação séria à forma e natureza como são feitas e tratadas ou então mais vale acabar com elas. É um desrespeito para com os candidatos, as forças políticas e os eleitores. E se estivermos a falar de manipulação, então aí, é ainda mais grave do que parece. As empresas de sondagens e os media têm mesmo de perceber que algo está a correr mal. Porque induzir uma sociedade em erro, de forma propositada ou não, não é honesto nem sério. 

Daqui a quatro anos há mais. Até lá, a política segue dentro de momentos. 

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