Miguel Sousa Tavares: obrigada!


Gosto do Miguel. Desde o tempo que ainda nem sequer sabia que iria ser jornalista.

O Miguel é um homem de sentimentos opostos. Ou se ama. Ou se odeia. Comete, como o comum dos mortais, erros. Engana-se muitas vezes. Exacerba quase sempre. Nos dias que correm, talvez ainda mais movido por uma ideia de justiça social impossível de atingir.

O Miguel não me conhece. Discordo mais vezes dele do que me alinho. Cruzamo-nos um par de vezes em trabalho. Cumprimentos de circunstância. Por tudo isso, o Miguel não sabe que gosto dele. Primeiro como colega, depois como escritor. E, na essência, do Homem, e do caráter intrínseco. Inquieto. Sempre em busca de uma sociedade melhor. 

Ontem, o Miguel foi convidado de Cristina Ferreira ao final da tarde, na TVI. Para dizer por que razão vai abandonar o Jornalismo. Não precisava explicar. Não deve isso a ninguém. Apenas a ele próprio. Mas, o que eu queria saber, não eram as razões óbvias, era realmente o que ele ainda pensava sobre a profissão.

Para mim, que ando nisto há 17 anos, custa-me sempre ver um exemplo, constatar que o Jornalismo está morto. Mas nunca foi tão certeiro no que disse. "As pessoas não querem notícias, não querem informação credível, querem antes as fake, partilhadas como verdade nas redes sociais. Sem contraditórios. Sem um fundo de verdade ou confirmação de fontes oficiais". Foi basicamente esta a ideia que o aflige. E não só a ele. Tristemente, é a isto que estamos condenados. A muito pouca credibilidade dos nossos leitores. Mas a culpa, perdoem a sinceridade, não é exclusiva de um lado. A culpa também é dos cidadãos e dos leitores que tanto estimo. Que escolhem. Que optam. Que recusam informação baseada em regras deontológicas, que dão muito trabalho. Horas. Dias. Semanas. Meses. Por vezes, anos.

Além disso, e com razão (sei-o hoje), o Miguel continua a abominar as redes sociais. Que não tem. Como é público. Com exagero, diz que é mais livre por isso. Não só, mas também por isso. Eu não diria tanto. Mas consigo entender o ponto onde quer chegar.

Em suma, entristece-me saber que o Miguel abandona 45 anos de jornalismo com um sentimento de guerra perdida. Consigo entender que não há, de facto, muitas razões, para ser lírico nem romântico, numa profissão que sempre foi mais do que isso. É uma causa. Uma missão de vida. Um estar inato, ao qual não conseguimos virar costas. Que nos consome. Mas que nos exclama. Que, no fundo, nos pertence. 

Ao Miguel, o meu obrigada, por tudo quanto me deu. Também foi graças ele que acreditei (e ainda acredito) nesta história de amor chamada Jornalismo.

Nota: filho de dois génios, Sophia de Mello Breyner Andresen (que fez da poesia uma Primavera sem fim) e Francisco Sousa Tavares, foi também o seu pai que havia de se cruzar no meu percurso. Quando cheguei a A Capital e lhe conheci a força de um antigo diretor. Uma família de inspirações. Para mim. E que ainda hoje me movem.

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