Legislativas 2022: um vendaval rosa e uma tragédia histórica que tomba a democracia cristã

Foto: Miguel A. Lopes/EPA

Uma noite histórica. Assim ficará para o legado político nacional o dia 30 de janeiro de 2022. O PS de António Costa alcança a sua primeira maioria absoluta, surpreendendo tudo e todos. Em primeiro lugar, dizer que as empresas de sondagens deste País podem todas elas fechar portas. Não é a primeira nem a segunda vez que se enganam redondamente nas previsões. Há muito que o jogo está viciado e não reflete a realidade das intenções de voto. Isso é certo! 

Uma nota positiva para a abstenção que, num dos atos eleitorais mais difíceis de que me lembro, com milhares de pessoas isoladas e infetadas, foi outra das surpresas. Passadas algumas horas, acredito que estes resultados e o nível de abstenção mais baixo chegaram porque os portugueses quiseram de facto dizer que estão cansados de instabilidade política e de brincadeiras de Geringonça.

António Costa merece este resultado. Fará com ele o que entender. E pode ser um caminho bom ou um mar de espinhos (se entrar na categoria do poder absoluto, que ele garante não querer). Só o tempo o dirá, mas uma coisa é certa, o Governo pode agora dedicar-se à liderança do País sem medos. É soberano para decidir. E isso é bom, se for feito competentemente.

Ventura chega a terceira força política

O Chega alcança um honroso terceiro lugar, num resultado que não surpreende mas que não deixa de me continuar a chocar. E isso acontece porque continua a gritar para os que estão cansados do regime, fala a linguagem popular que todos querem ouvir e vem carregado de desconhecidos que, alegadamente, não trazem experiência política alguma. Já sabemos que será uma berraria no hemiciclo, que será a voz contra-poder. E será um violento líder contra as minorias. E é preciso estar atento. Costa faz bem em não querer dialogar com Ventura, mas a vigilância, essa, não pode ser descurada, sob pena de se deixar florescer uma árvore já de si apodrecida.

O crescimento do Chega, da IL e a dispersão do voto à esquerda resumem a nota seguinte que quero deixar: o desaparecimento de um partido que se confunde com a democracia. O CDS. Não surpreendeu, é certo, mas ver o seu líder a falar em último, numa longa e sofrida declaração, foi o fechar do pano de uma noite que faz história, neste caso, pelas piores razões. Já o escrevi no Platonismo durante a campanha, não vou voltar a falar sobre a importância do partido fundado por Adriano Moreira e Freitas do Amaral. O mesmo que já teve 24 deputados na Assembleia da República. Há quem vaticine a sua extinção, há quem diga que ainda é possível a ressurreição. Nuno Melo será chamado a juntar os cacos. Sabemos que amanhã falará. Resta saber, se agora, ainda está disponível, sobretudo, depois do que se passou recentemente, e com culpas bem fatais para o que aconteceu ontem. Chicão brincou, mas quem o deixou chegar lá também tem muitas responsabilidades

 Foto: João Carlos Santos/Expresso


Do PCP e do Bloco, um caminho de pedras. Com tendência a piorar nas próximas eleições. A esquerda mais extremada faz o caminho inverso da extrema direita. E este também deve ser um motivo de reflexão. Contudo, não tenho dúvida de que os eleitores, destes dois partidos, lhes mostraram um cartão vermelho pelo comportamento no OE/2022.

Os próximos quatro anos serão de estabilidade política. Bem dela precisamos. Espero que o PS pense bem na hora de distribuir fundos, de aplicar o Plano de Recuperação e Resiliência, na hora de gerir bem o dinheiro público. É bom lembrar que o último Governo socialista caiu com a chegada da Troika. E isso não pode ser esquecido. Uma última nota para Marcelo Rebelo de Sousa que vê na sua decisão uma escolha acertada. A dissolução do Parlamento era inevitável na sua cabeça. Mas também não era este o resultado que esperava. E este cenário retira-lhe espaço para um segundo mandato interventivo. Isso pode ser bom. Mas também é bom que fique vigilante. É essa uma das suas principais funções enquanto garante da tal estabilidade e unidade nacionais.

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