Fome e seca agravam situação humanitária de 3 milhões de pessoas deslocadas no Corno de África



A seca prolongada e o aumento da fome na região levaram a Etiópia, o Quénia e a Somália a depararem-se com um número recorde de refugiados e deslocados internos. Para fazer face à previsão de agravamento ao longo de 2023, e colocar em prática uma resposta de emergência imediata, o parceiro nacional do ACNUR ativa a campanha “A Fome Está a Duplicar” para sensibilizar e angariar fundos. 

A grave situação de fome e seca no Corno de África colocou cerca de 3.3 milhões de pessoas refugiadas e deslocadas internamente em necessidade urgente de assistência humanitária, um número recorde nesta zona do continente. Só entre janeiro de 2022 e março deste ano, cerca de 1.94 milhões de pessoas deslocaram-se internamente na Etiópia e Somália, dois dos países mais afetados. Uma crise humanitária que também tem assumido contornos expressivos e preocupantes ao nível dos refugiados. Mais de 280 mil pessoas atravessaram as fronteiras da Somália e Sudão do Sul e refugiaram-se em zonas do Quénia e da Etiópia, também já muito fragilizadas pela seca longa e profunda. 

No Corno de África, que inclui Etiópia, Somália e Quénia, vivencia-se a mais longa e severa seca em 40 anos, e que afeta já 2.6 milhões de refugiados e deslocados internos. Depois do fracasso de seis épocas de chuva consecutivas, fugir da escassez de água e da fome é uma questão de sobrevivência. “Nunca tinha passado por uma seca deste género. Obrigou-me a fugir do meu país em busca de comida", revela Ali, uma mulher somali de 82 anos. E as esperanças de regressar são muito poucas. “A seca mantém-se. A minha quinta, os meus animais e até a minha casa foram destruídos, por isso não há nada para onde voltar", reconhece. 

Uma história que se repete na pele de Guuray Abdi, de 68 anos, refugiada da Somália no Quénia, que aguentou 30 anos de conflitos, mas não foi capaz de resistir à fome e à seca e viu-se forçada a deixar tudo para trás. “A seca é pior do que o conflito em curso na Somália, tornou a vida ainda mais difícil. Imagine não ser capaz de alimentar os seus filhos e ver que eles dormem cheios de fome. Não tivemos outra escolha senão fugir para o Quénia”. Só na Somália, 607.300 pessoas foram recentemente deslocadas devido à insegurança persistente e à seca, com a situação a deteriorar-se ao longo do último ano. 

Trata-se de uma situação dramática que deu origem a uma crise humanitária sem precedentes nesta zona do globo, e que deverá persistir durante o ano de 2023: com o agravamento das alterações climáticas, duplica a fome, duplicam as pessoas deslocadas e duplica a urgência de proteção e assistência do ACNUR. Numa altura em que mais de 3.8 milhões de refugiados são afetados por cortes na assistência alimentar, a Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR), juntamente com os seus parceiros nacionais, entre os quais a Portugal com ACNUR, apela à angariação mundial de 137 milhões de dólares (cerca de 126 milhões de euros)

 

Em território nacional, a Portugal com ACNUR acaba de lançar a campanha “A Fome Está a Duplicar”, onde apela ao donativo para fazer face a esta emergência e ajudar a alcançar este valor. 

 

“Todos os fundos angariados pela Portugal com ACNUR serão destinados à emergência na Etiópia, Somália e Quénia”, garante a Diretora Nacional. Quem também se aliou a esta campanha e à resposta de emergência a esta crise humanitária foi a atriz Dalila Carmo. "Esta é uma problemática que não pode deixar ninguém indiferente. Saber que existem pessoas que caminham centenas de quilómetros em busca de água ou perdem familiares devido à fome, é inquietante e não podemos ignorar. Ajudar as pessoas na Somália, Quénia e Etiópia e garantir que o ACNUR consegue reforçar os seus programas no terreno, é essencial. Apelo à generosidade de todos". 

 

Fome é causa e consequência desta crise humanitária no Corno de África

 

Atualmente, 23 milhões de pessoas na Etiópia, Quénia e Somália estão a atravessar uma situação de fome severa. A seca incessante e os preços elevados dos alimentos enfraquecem a capacidade de cultivo, de criar gado e de comprar comida de muitas pessoasdando origem a um aumento da insegurança alimentar e da fome entre estas populações e levando-as a procurarem outros lugares onde possam garantir melhores condições de vida. A fome tornou-se assim numa das causas que obriga as pessoas a fugirem e a deixarem tudo para trás nestes países do Corno de África.




No entanto, a insegurança alimentar pode surgir também em consequência destes movimentos migratórios. A deslocação conduz frequentemente à rutura dos sistemas de apoio familiar e comunitário e à limitação/perda de rendimentos e de oportunidades de subsistência, colocando os refugiados e outros deslocados à força numa situação em que são obrigados a depender, na maioria das vezes, de uma assistência humanitária limitada para satisfazer as suas necessidades mais básicas. “A maioria dos refugiados já não tem dinheiro para comprar comida nos mercados, começa a ser muito difícil encontrarem o suficiente para se alimentarem, o que os coloca em risco de subnutrição e de outras doenças graves", alerta Adane Tefera, responsável pela área de nutrição do ACNUR.

 

Milhões de pessoas deslocadas vivem hoje numa situação de insegurança alimentar, na qual 90% da população não ingere alimentos suficientes para garantir a sua segurança alimentar. Só no Corno de África, a Agência da ONU para os Refugiados avança que 53% dos refugiados que chegaram ao Quénia provenientes da Somália nos últimos 3 anos foram obrigados a deixar o seu país e as suas vidas para trás, em parte, devido à seca e insegurança alimentar. 

 

Agravamento dos conflitos na região constitui desafio acrescido

 

Além da fome, os conflitos na região continuam a obrigar centenas de milhares de pessoas a fugir em busca de um lugar mais seguro para se estabelecerem. No caso da Somália, por exemplo, desde o início dos conflitos em Laascaanood em fevereiro deste ano, já fugiram mais de 185 mil pessoas que procuraram refúgio noutras cidades somalis ou em países vizinhos. Joung-ah Ghedini-Williams, Head of Global Communications do ACNUR, explica que “muitos dos refugiados somalis que chegam aqui [campo de Dadaab] são vítimas deste mix de elementos tóxicos: alterações climáticas, conflito e deslocação”. O mais recente relatório do ACNUR Global Trends Report vem dar força a esta afirmação ao dar conta de que, em 2023, mais de 1 milhão de pessoas foram forçadas a fugir das suas casas na Somália devido aos conflitos, às inundações e à seca.


Uma realidade que está a agravar a situação humanitária na região, constituindo-se como um desafio acrescido para as entidades e organizações que apoiam esta populações, como o ACNUR. Com um maior número de pessoas a chegar aos campos de acolhimento de refugiados e deslocados internos, as condições tornam-se cada vez mais precárias e a insegurança alimentar agrava-se. “Não podemos aceitar que crianças estejam em risco de morrer à fome em pleno século XXI!”, expressa a Diretora Nacional da Portugal com ACNUR. “Apelamos à solidariedade e ao apoio global para proteger, assistir e capacitar as pessoas afetadas pela seca e salvar de vidas. É urgente!”, conclui reforçando o apelo ao donativo através da campanha de angariação de fundos que a organização tem a decorrer.


Com estes fundos, a Agência da ONU para os Refugiados poderá pôr em marcha uma resposta de emergência adequada no Corno de África, apostando, em particular, na assistência monetária, que garantirá uma maior independência às pessoas apoiadas e uma aplicação mais efetiva dos recursos, mas também na criação de hortas, de forma a assegurar a subsistência e segurança alimentar destas pessoas. Com este tipo de assistência, os refugiados e deslocados internos apoiados pelo ACNUR poderão adquirir bens de primeira necessidade, alimentação, kits com sementes, materiais para construção de novos e melhores abrigos ou até artigos domésticos.

 

Além desta resposta de emergência mais imediata, a organização prevê ainda investir em intervenções de adaptação e mitigação às alterações climáticas, que incluirão o reforço do sistema de autogovernação, a formação de comités de gestão em campos de deslocados, a instalação de luzes solares nas ruas, para aumentar a proteção de mulheres e crianças e melhorar a sua segurança, e progressos ao nível do abastecimento de água com recurso a camiões de transporte de água, à perfuração de furos adicionais, bem como à renovação dos sistemas de água e saneamento existentes.




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