O Jornalismo ainda pode ser salvo


O título deste texto é amargo. Para mim. Não falarei das razões porque quem me conhece e conhece o meu percurso o sabe.

Mas tenho que parabenizar a RTP e o Carlos Daniel por terem escolhido o tema para a edição 100 do programa 'É ou não é', emitido ontem à noite.

Todos os debates sobre crises são sempre curtos. E tanto mas tanto ficou por falar. Ainda assim, num dos piores momentos da profissão, é importante que a sociedade saiba e entenda não só os problemas que afetam a classe como também compreendê-los melhor.

É muito grave o nível salarial? É. É muito grave a condição laboral e precária? É. É gravíssima a ausência de apoio estatal? É. (E eu digo já que sou a favor do apoio do Estado, obviamente com mecanismos de transparência que, a meu ver, em nada comprometem a independência jornalística. Já trabalhei num órgão apoiado pelo Estado e nunca, por algum momento, senti quaisquer pressões ou interferências. Mas é o meu caso, vale o que vale).

Mais do que tudo isto, é de facto mais importante a capacidade de gestão e o modelo de negócio. Sem publicidade e dinheiro não há projetos que aguentem. Mas, a verdade, é que sem leitores também não. E este é o paradigma que vivemos há pelo menos uma década. Não soubemos ainda adaptar o jornalismo aos tempos atuais (do digital). Este é para mim o ponto chave. E por isso também as redes sociais e a desinformação a elas associadas têm vencido a batalha.

Há depois outros aspetos que é importante salientar, e que a classe não assume, continua teimosa a achar que a culpa não é nossa. É ao contrário. Parte da culpa também é nossa. Porque abandonamos a qualidade em prol do clique fácil. Porque corremos atrás do prejuízo. Porque competimos entre nós para contar, imagine-se, a mesma história. Ou até quando violamos o Código Deontológico a toda a hora. Quando isso começou a acontecer e nunca houve consequências, seja de quem lidera órgãos de informação, seja do regulador (que é uma inutilidade há anos e que vive à custa dos nossos impostos), creio que está tudo dito. A partir do momento em que desistimos da essência da nossa profissão, sim, a culpa também é nossa.

Por isto tudo e tanto mais, a profissão está na lama em que está. Por tudo isto os melhores saíram e continuam a desistir. O exemplo do Miguel Carvalho, que esteve ontem no debate da RTP, é elucidativo. E alguém põe em causa o extraordinário trabalho que fez na Visão nas últimas décadas? Ninguém. Vão ler os seus desabafos, públicos, sobre as razões porque ele decidiu sair.

Basicamente, precisava fazer este desabafo. Com muitas incertezas, ainda acredito que o Jornalismo se poderá salvar. Mas vai ser muito mais dolorosa a reconstrução. Isso não duvido. Seja como for, a democracia também não se salvará sem o Jornalismo. Mas para isso, a mudança tem de ser estrutural, comportamental, de essência. Que começa no único sítio possível: a qualidade do trabalho jornalístico. Sem isso, não há nada que aguente, nem modelo de negócio, nem classe nem sequer sonhos. 

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