Com amor, dedicado a Pedro.
No passado fim-de-semana o País foi confrontado
com a notícia de que o primeiro-ministro acumulou
dívidas à Segurança Social, entre Outubro de 1999 e Setembro de 2004. Pedro
Passos Coelho terá, entretanto, pago voluntariamente no mês passado, cerca de
quatro mil euros. O caso é complexo, já que tratando-se de dívidas à SS, é
difícil perceber pelas notícias veiculadas, a que rendimentos respeitam os
montantes e por que deixou o sistema prescrever algumas delas. Na verdade, e
apesar de as informações não serem totalmente claras, o mais importante não são
os pormenores, mas sim a substância do caso. Estamos a falar de um homem, que
desde o primeiro instante, aplicou, sem complacência, um programa de
austeridade ditado pela Troika. Um político que sempre defendeu a austeridade e
que as dívidas são para pagar. Um primeiro-ministro que cortou a eito,
impulsionado pela cegueira de que os governos socialistas sempre foram
despesistas e que o dele, com Vítor Gaspar à cabeça, é que era o bom e havia de
dar frutos. Pois bem, na verdade, em política, como todos sabem, não basta
parecer, é preciso ser. E parece-me a mim difícil fugir-se ao pagamento de
contribuições sem se ter noção disso. Quem passou anos a emitir recibos verdes,
como é o meu caso, sabe do que fala. E sabemos também que passar recibos verdes
provoca a sensação de que trabalhamos para pagar impostos e descontos. Entretanto
temos o ministro da tutela, Pedro Mota Soares, a desculpabilizar o seu chefe,
argumentando que Passos foi «vítima de erros da própria administração», à
semelhança de milhares de portugueses. Os mesmos portugueses que nunca viram o
sistema perdoar-lhes nem uma dívida de um cêntimo. Que, pelo contrário, sempre viram
o sistema ameaça-los com penhoras. Mais grave que ter dívidas à Segurança
Social é o carácter das pessoas. E é precisamente neste ponto que Pedro Passos
Coelho fica numa posição sem margem para grandes desculpas. Não se pode pedir
sacrifícios e austeridade do alto da governação de um país quando o exemplo que
se dá é o pior. No caso, o exemplo não vem de cima, mas sim de baixo, já que os
milhares de recibos verdes deste país que deixaram de pagar, fizeram-no por
dificuldades económicas e, a maioria, assumiu-o desde o início. Este é só mais
um exemplo que mostra o descrédito dos políticos do nosso tempo. Uns fogem ao
Fisco, outros à Segurança Social. No entretanto, prova-se mais uma vez que,
perante a Constituição, e no mesmo nível de igualdade, há os cidadãos da
República que o sistema tudo perdoa, e os outros, os de segunda, perseguidos e
sem direito ao mesmo tratamento. Talvez um dia a História mude o curso da
sorte, dos privilégios e das espinhas tortas e esvaziadas de tudo.
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