Dilemas de um País político.
Na mesma noite
em que na Aula Magna, em Lisboa, decorria o Congresso das Esquerdas, pensado e
organizado por Mário Soares, quase em simultâneo, dava-se a invasão das
escadarias da Assembleia da República, por parte das forças de segurança que se
manifestaram em Lisboa naquele mesmo dia. É curioso perceber que dois actos tão
semelhantes, e ao mesmo tempo tão diferentes, aconteceram no mesmo instante. Muito
se falou e escreveu sobre os dois assuntos. Não quero aqui maçar os ouvintes
com discursos teóricos e que podem até parecer demagógicos. Contudo, e porque
sou uma cidadã que conhece a palavra crise há muito, muito tempo, gostava hoje
de deixar apenas algumas perguntas para reflexão. A primeira delas é simples: quantos homens e
mulheres de esquerda em Portugal, que condenam as políticas actuais, estão
realmente a sofrer as consequências da austeridade? Mário Soares, Freitas do
Amaral, Manuel Alegre, Helena Roseta, Pacheco Pereira são apenas alguns dos que
se têm unido em torno da queda do Governo e do Presidente da República. É
unânime que são respeitados por todos. É consensual o papel que tiveram e têm
na sociedade portuguesa. Mas, o que fizeram e fazem actualmente estes homens e
mulheres diariamente, em prol dos desgraçados que são também arma de arremesso
dos seus discursos inflamados? Pois que eu saiba, nada. Pois que eu saiba
também viveram durante o tempo das tais vacas gordas à conta de um Estado
esbanjador. Isto não é uma crítica apenas à esquerda, é também à direita,
porque ambas têm culpa do estado a que chegámos. Eleitos em nome do povo, como
gostam de dizer, nem esquerda nem direita, honraram a responsabilidade de cada
voto que depositamos em cada urna. Por isso, se a direita se está a portar mal,
com laivos de incompetência, inexperiência e cegueira alemã, a esquerda, mesmo
a de cabelos brancos, não está melhor. Do outro lado da barricada estamos nós,
cidadãos com os sonhos adiados, gente a passar fome, pessoas a perder a vida. No
caso de Soares, que muito respeito, fica-lhe mal dizer disparates. Não, Dr.
Mário Soares, não é o facto de Cavaco Silva continuar em Belém que irá provocar
uma onda de violência. Não, Dr. Mário Soares, não é Cavaco que está a desgraçar
o país, apesar de ser cúmplice da desgraça. Em última instância, é o Governo de
Pedro Passos Coelho, um jovem político que quando foi eleito, até contou com
elogios da sua parte. Pelo respeito que Soares merece deste país, era bom que
os seus ajudantes nesta oposição desenfreada, tivessem um pingo de juízo e
resguardassem mais o antigo presidente da República.
Quando falamos uma vez,
isso basta. Quando repetimos o disparate é perigoso, já que a credibilidade
inquestionável também se esfuma. E já agora: quando Mário Soares foi
primeiro-ministro e Presidente da República não terá ele também desgraçado o
país com a cumplicidade que exerceu para com o seu partido e com a guerra que
abriu com os governos de Cavaco? Chegamos todos à conclusão, há muito, que
políticos e partidos, novos ou velhos, são feitos da mesma massa. O problema é
que o fermento que cria labirintos no sistema deixou de fazer crescer a árvore
dos amigos. Esse é o dilema do centrão em particular, e da esquerda e da
direita, em geral. Mas a História deste país será reescrita um dia. Só gostava
de saber como é que as esquerdas vão mudar o rumo sem dinheiro.
*Crónica
semanal de 25 de Novembro, na Antena Livre, 89.7, Abrantes.
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